São Paulo, quinta-feira, 9 de novembro de 1995
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Juros: uma explicação

FÁBIO GIAMBIAGI

FABIO GIAMBIAGI
O professor Álvaro Zini escreveu na Folha de S.Paulo de 22.10.1995, em resposta a um artigo deste modesto funcionário que defendia o Orçamento Geral da União (OGU) de 1996. O professor conclui afirmando que "o OGU deve ser devolvido pelo Congresso ao Executivo, pois contém números falsos" acerca do peso dos juros do Orçamento.
Alega ele que os juros -que somam, no Orçamento, em torno de 1% do PIB- são, na realidade, de 3.4% do PIB. Esse último número, porém, é incorreto, pelas seguintes razões:
a) Zini supõe que a inflação média em 1995 e 1996 seja da ordem de 30% e de 14%, respectivamente, para calcular o PIB de 1996 com base no PIB oficial de R$ 356 bilhões de 1994.
O problema é que ele adota o conceito de inflação "ponta a ponta" para inflacionar fluxos anuais, que devem ser corrigidos, porém, pela inflação média. Observe-se, a propósito, que o IGP de julho de 95 -similar ao IGP médio de 95- já é cerca de 70% superior ao IGP médio de 1994, ainda contaminado pelo aumento astronômico dos preços entre 1º de janeiro e 30 de junho do ano passado.
b) ele contabiliza apenas a dívida bruta do governo federal, quando o conceito relevante para o cálculo dos juros das necessidades de financiamento operacionais é a dívida líquida, que desconta os ativos de governo federal e BC.
Conforme a tabela de dívida do setor público publicada no boletim do Banco Central, a dívida líquida de governo federal e BC em dezembro de 1994 era da ordem de 8,5% do PIB, sendo 2,5% do PIB de dívida interna líquida -excluindo a base monetária- e 6% do PIB de dívida externa.
Vamos admitir por hipótese que, no final de 1995, esses valores de endividamento líquido sejam de 4,5% do PIB de dívida interna e 4,5% do PIB de dívida externa. Mesmo assumindo, apenas para efeitos de raciocínio, taxas de juros muito elevadas de, por exemplo, 20% para os juros reais internos e 7% para a taxa externa -superiores às premissas do OGU-, conclui-se que a multiplicação dessas taxas pelas respectivas dívidas gera um resultado de 4,5 x 0,20) + (4,5 x 0,07) = 1,2% do PIB, o que é muito inferior ao número de x % do PIB calculado pelo professor Zini.
Aliás, o professor deveria ter atentado para o fato de que, nos primeiros oito meses de 1995, já com taxas reais de juros extremamente elevadas, o governo federal -conforme dados oficiais- teve uma despesa de juros reais de 1,9% do PIB do período, de modo que deveria soar estranho estimar uma despesa de juros para 1996 quase 80% superior a isso, em termos reais.
Não queremos cansar os nossos leitores com uma discussão técnica que, para a grande maioria, deve ser bastante enfadonha. Entretanto, a afirmação de que o OGU "contém números falsos" e subestima os juros reais em quase 2,5% do PIB é excessivamente grave para que fique sem resposta, motivo pelo qual tivemos que solicitar à Folha de S.Paulo a gentileza de publicar este esclarecimento.

FABIO GIAMBIAGI, 33, economista do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), é assessor do Ministério do Planejamento e Orçamento.

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