São Paulo, quinta-feira, 9 de novembro de 1995
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Gilles Deleuze superou o estruturalismo

VINÍCIUS TORRES FREIRE
DE PARIS

Jean-François Lyotard e Jacques Derrida, dois sobreviventes maiores da geração de intelectuais franceses da qual fez parte Gilles Deleuze (1925-1995), elegeram o filósofo morto no último sábado como o "bem-amado" de um grupo que por mais de duas décadas (os 60 e 70) dominou boa parte da cena intelectual francesa -e que pensou e superou o estruturalismo.
Três dias depois da morte do filósofo de "Diferença e Repetição" e "O Anti-Édipo", Lyotard e Derrida foram às páginas do "Libération", com mais outros três filósofos, fazer o elogio fúnebre de Deleuze.
Todos lembraram o que aprenderam de Deleuze, como ele os influenciou, como sua obra era "inclassificável". Na verdade, entre os pensadores desta "geração", Deleuze foi aquele que construiu sua obra como que à margem da elaboração, convulsões e superações do estruturalismo.
Sua identificação, sem maiores crises, com o libertarismo e o caráter contracultural das revoltas estudantis de maio de 1968 na França marca de certa forma sua diferença em relação aos seus contemporâneos, para quem a "quase revolução" foi um incômodo tratado com silêncio ou momento de ruptura ou mesmo motivo de disputas amargas.
Roland Barthes, morto em 1980, e Foucault, de um modo ou de outro identificaram inflexões prévias de suas obras ao impacto de 1968. Louis Althusser, o estruturalista marxista morto em 1991, manifestou seu desgosto diante de uma revolta que também era dirigida contra o marxismo oficial do Partido Comunista. Derrida não se pronunciou.
A impressão que fica das homenagens escritas no "Libération" três dias depois da morte do filósofo é que Deleuze parecia permanecer uma referência de diálogo aberto (diga-se de passagem que o "Libération", que em dois dias dedicou sete páginas a Deleuze, foi criado em 1973 por membros da geração 68).
"Dentre os filósofos da minha 'geração' tive a sorte de pensar graças a Deleuze, pensando nele. Desde o começo, todos os seus livros (principalmente "Nietzsche", "Diferença e Repetição", "Lógica do Sentido") foram para mim não apenas fortes provocações, mas uma experiência perturbadora, tão perturbadora, de uma proximidade ou de uma afinidade quase total nas 'teses', mesmo apesar das diferenças no que eu chamaria de 'gesto', 'estratégia', 'maneira' -de escrever, de falar, de ler, talvez", escreveu Derrida, que disse também "ter os mesmos inimigos" que Deleuze.
Deleuze e Marx
Entre as reflexões sobre proximidades e diferenças, Derrida anuncia um projeto desconhecido de Deleuze: escrever um livro sobre Marx. Derrida, que de certo modo surpreendeu o mundo intelectual com a publicação de "Os Fantasmas de Marx", conta que, há três anos, "quando escrevia o livro, no pior momento, o projeto de Deleuze de fazer o mesmo me dava segurança".
E Derrida cita um depoimento um tanto desconcertante de Deleuze, de 1990: "Félix Guattari e eu continuamos sempre marxistas, de duas maneiras diferentes talvez, mas sempre continuamos. É que nós não acreditamos numa filosofia política que não seja centrada sobre a análise do capitalismo e dos seus desenvolvimentos. O que nos interessa mais em Marx é a análise do capitalismo como sistema imanente, que não cessa de expandir seus próprios limites, sempre maiores, pois o limite é o próprio Capital".
Derrida por fim lembra como se sente um "sobrevivente melancólico disso que se chama, de maneira terrível, de geração". O filósofo deconstrucionista lembra que "cada morte é insólita, mas o que dizer do insólito quando, de Barthes a Althusser, de Foucault a Deleuze, todos tiveram um fim fora do comum?".
Louis Althusser matou a mulher, calou-se para a filosofia e morreu quase como um inimputável. Michel Foucault morreu de Aids. Nicos Poulantzas, um próximo de Althusser, se suicidou. Roland Barthes morreu atropelado. Deleuze, doente há anos, jogou-se da janela de seu apartamento parisiense.
Trajetória
Deleuze nasceu em Paris, em 18 de janeiro de 1925. Entrou na Universidade de Paris, Sorbonne, em 1944. Formado em 1948, torna-se professor de colégios secundários no interior da França e em Paris. No mesmo período conhece Jacques Lacan e Pierre Klossowski.
Em 1952 publica seu primeiro livro "Hume, sua vida sua obra", seguido de "Empirismo e Subjetividade", em 1953.
A partir de 1957, torna-se professor assistente de história da filosofia na Universidade de Paris. Em 1964, é pesquisador do Centro Nacional de Pesquisa Científica.
Havia conhecido Michel Foucault em 1962.
Em 1968, ano da publicação do que é considerado um de seus principais livros ("Diferença e Repetição") torna-se amigo de Félix Guattari, com quem escreveria cinco livros, entre os quais "O Anti-Édipo" (1972), que o tornaria famoso.
(Vinicius Torres Freire)

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