São Paulo, quinta-feira, 9 de novembro de 1995 |
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Mercado perigoso Os grandes laboratórios já descobriram o potencial das técnicas de engenharia genética. Segundo recente boletim da ONU, contrariando a tendência normal de deixar a pesquisa básica às expensas dos governos, no ano de 1990 foram gastos globalmente US$ 11 bilhões em biotecnologia (básica e aplicada), sendo que aproximadamente 2/3 dessa quantia vieram da iniciativa privada. Também a partir de 90, essas empresas passaram a patentear seres vivos. Segundo a ONU, a corporação Agracetus, por exemplo, detém a patente de todos os algodões e grãos de soja geneticamente manipulados do mundo. Infelizmente, as coisas não param por aí. O projeto Genoma Humano, que tem por objetivo mapear o DNA de entre 10 mil e 15 mil pessoas de 722 povos diferentes, já despertou a cobiça de muita gente. Segundo denúncia da ONG Rafi (sigla inglesa para Fundação Internacional para o Desenvolvimento Rural), cerca de 1/3 das combinações já armazenadas pelo Genoma são objeto de reivindicação de patente. A própria Secretaria de Comércio dos EUA chegou a preparar uma petição para requerer a patente da sequência genética de uma mulher indígena do Panamá. Voltou atrás em 93 após protesto do Conselho Mundial dos Povos Indígenas. As potencialidades são de fato muito atraentes. A manipulação genética pode trazer a chave para a cura de muitas doenças. Em 93, por exemplo, descobriu-se que as pessoas da comunidade de Limone, na Itália, eram portadoras de um gene que as tornava imunes a várias doenças cardiovasculares. No Sudão há um grupo que parece ser virtualmente imune à malária. Há outros exemplos. Populações de Gales e da Irlanda ocidental não toleram o trigo e o glúten, oriundos do Mediterrâneo. Já os povos do Mediterrâneo, quando têm uma dieta rica em fava, grão de origem européia, podem desenvolver anemia hemolítica. Povos não-asiáticos e não-europeus praticamente desconhecem o problema do crescimento doloroso do dente do siso. Mulheres negras são menos propensas à osteoporose, e pilotos negros de avião resistem muito melhor do que os brancos às fraturas nas vértebras lombares baixas, comuns quando se tem de acionar a ejeção do assento. Como se vê, a engenharia genética pode vir a ser uma verdadeira cura para todos os males da humanidade. Pode também vir a ser a realização do pesadelo nazista da criação do super-homem, agora devidamente patenteado por um megalaboratório qualquer. A ciência está progredindo muito mais rápido do que a discussão ética e jurídica sobre a engenharia genética. E isso pode ser muito perigoso. Amanhã, talvez as guerras já não se dêem entre sérvios e croatas ou israelenses e palestinos, mas entre seres Bayer e Rhodia ou Wellcome e Hoechst. Texto Anterior: Importar é o que exporta Próximo Texto: Saberes Índice |
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