São Paulo, quinta-feira, 9 de novembro de 1995
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Morte de King e guerra civil deixam marcas

OSCAR PILAGALLO
DO ENVIADO ESPECIAL A MEMPHIS

Memphis quer dizer "bom lugar para ficar". E os americanos do início do século passado parecem ter compartilhado a opinião expressa na etnologia. Tanto que, em 1819, seu fundador, Andrew Jackson, o sétimo presidente do país, assim a batizou.
Situada no extremo sudoeste do Tennessee, Memphis está encostada nos Estados de Arkansas e Mississippi. Talvez pela própria localização, seja a cidade que mais traduz o espírito sulino americano -para o bem e para o mal.
Cidade do blues, de Elvis e da riqueza do algodão, Memphis foi também cenário dos capítulos mais sangrentos da história do racismo nos Estados Unidos, uma história que a própria cidade faz questão de não esquecer.
Morte na sacada
Foi em Memphis que o líder negro Martin Luther King morreu assassinado em 1968. Pregador da não-violência como meio de luta por direitos civis, o Nobel da Paz foi baleado aos 39 anos na sacada do hotel em que se hospedava.
O Lorraine Motel, que fica na rua Mulberry, 450, se transformou no Museu Nacional de Direitos Civis. Lá pode-se visitar, por US$ 5, o quarto que Luther King ocupava.
O assassinato de quase 30 anos atrás foi o episódio recente mais conhecido da história da intolerância racial que tem origem no passado escravocrata da região.
Viagem no tempo
Um passeio pelas ruas que margeiam o Mississippi é um retorno aos tempos da Guerra Civil Americana, quando as forças do Norte combatiam os Estados confederados do Sul, defensores da escravatura como meio de manter uma economia baseada no campo (no algodão, no caso de Memphis).
Placas de bronze espalhadas pela cidade contam momentos decisivos da guerra, quando Memphis foi, por alguns anos, a capital dos sete Estados sulinos em choque com o poder central, que defendia o interesse da região mais industrializada do país.
Memphis caiu em 1862, depois de uma batalha naval que pôde ser observada das margens pela população. O local hoje é uma praça arborizada de onde se divisa grande trecho do rio. Alguns canhões ainda estão lá, mas do mirante só se vê o "Memphis Queen" e o "Island Queen", navios tradicionais do Mississippi, impulsionados por grandes rodas na popa, que são popular atração turística.
No primeiro dia do ano seguinte, 1863, o presidente Abraham Lincoln emancipou os escravos, abrindo caminho para uma revolução social no sul.
Em Memphis, talvez mais do que em outras cidades da região, o período que se seguiu à guerra foi violento.
A maioria branca não aceitava a nova situação e atacava os negros que, saídos das fazendas, mudavam-se para a cidade. Em 1866 -um ano após o assassinato do próprio Lincoln- 46 negros foram assassinados em Memphis e suas escolas e igrejas, queimadas.
A violência gerou solidariedade no Congresso, que só então entendeu ser necessária uma salvaguarda legal para defender os direitos civis, o que acabou dando origem à 14ª emenda constitucional.
Novos tempos
Hoje, Memphis é paradigma do politicamente correto. Mais do que em outras regiões dos Estados Unidos, onde a questão racial não está na ordem do dia, em Memphis é realmente desaconselhável se referir aos negros por qualquer outro termo que não o nacionalmente aceito afro-americano.
O respeito está presente sobretudo nas empresas, que, se zelam por sua imagem, tratam de manter em seu quadro um número de funcionários negros proporcional ao da comunidade.
(OP)

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