São Paulo, sexta-feira, 10 de novembro de 1995 |
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Devagar com o andor
JORGE PINHEIRO Se existiu alguma virtude no chute do bispo Sérgio Von Helder, foi o de colocar em discussão a liberdade religiosa no Brasil. Ora, é de conhecimento geral que a liberdade religiosa em nosso país é uma conquista recente, em construção, muito mais fruto da industrialização e do crescimento urbano do que de uma tradição e legislação voltadas à igualdade de direitos no campo da religião.A discussão da ética e da moral não pode acontecer fora do campo da normatização da igualdade. Desde Santo Agostinho entendemos, como dizia o bispo de Hipona, que o problema central da moral se traduz no da escolha das coisas a serem amadas. Amar o outro só é possível num plano de igualdade, quer elevando-o ao nosso nível, quer elevando-nos ao plano da pessoa amada. Jamais rebaixando, quer um, quer outro. Infelizmente, essa não é a tradição religiosa de nosso país. A municipalidade de Aparecida, por exemplo, tem uma legislação de uso do solo e construção discriminatória em relação às denominações não-católicas romanas. Legislação essa que fere a Constituição. É certo que o direito ao debate pertence a todos, cristãos e não-cristãos. Já que a liberdade de culto existe, formalmente, mas a discriminação é real e parte da própria estrutura do Estado e da "inteligentsia". É muito difícil para o não-cristão, entender o paradoxo da ética cristã, já que ela é monista quanto à revelação e à salvação e pluralista quanto ao humano. Quando o catolicismo romano ou qualquer outra variante cristã torna-se monista em relação aos direitos do próximo, temos uma postura cooptadora, intolerante e discriminatória. Essa é a tradição brasileira, que sempre esteve imbricada à política e que definiu índios e negros, primeiramente, como animais e, posteriormente, como sub-homens, por não serem cristãos da Contra-Reforma. Muita gente confunde esta postura sectária e genocida com a tradição do cristianismo como um todo. O que é um erro. Basta ver que a primeira petição reivindicando liberdade religiosa data de 1612, na Inglaterra, e que dois anos depois Leonard Busher publica "A Paz na Religião: Uma Petição da Liberdade de Consciência". É interessante ver que o primeiro protesto público, nos Estados Unidos, contra a escravidão dá-se com a chegada do primeiro navio negreiro a solo americano, em 1688. Aconteceu na Pensilvânia e foi organizado por menonitas e quakers. A Coroa portuguesa trouxe para o Brasil um projeto de cristandade que teve por base a expansão do império. Com bula papal e direito divino dado por Roma, colocou um sinal de igual entre império, nacionalidade e religião. Os católicos romanos no Brasil, ainda hoje, confundem hegemonia com direito adquirido. Estão sofrendo, pela primeira vez na história, as consequências do que semearam. Solução existe. Está no diálogo e na aceitação de que o destino do cristianismo no País dá-se na pluralidade. Por isso, passa a ter valor especial um velho ditado mineiro: "Devagar com o andor, que o santo é de barro". Texto Anterior: RS faz memorial para mortos no regime militar Próximo Texto: Mulher é achada morta em apartamento Índice |
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