São Paulo, segunda-feira, 13 de novembro de 1995
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'Nunca vou esquecer essa experiência'

IGOR CAVALERA
ESPECIAL PARA A FOLHA

É muito difícil traduzir em palavras o que aconteceu durante a gravação de uma música e um clipe na aldeia dos xavantes.
Foi um lance genial, mágico. Os índios nos deixaram viver como eles por dois dias, como se fizéssemos parte da tribo. Senti-me como criança, não acreditava no que estava acontecendo.
Na primeira noite que chegamos foi muito lindo. Eles cantaram para gente -eles cantam muito forte, o chão até treme.
Imagine só: você ali no meio do nada, sem nenhuma luz, só a lua cheia iluminando tudo e nós no meio do círculo deles.
Foi uma coisa de outro mundo, muito poderosa. Depois, eles nos chamaram para participar. Nunca vou esquecer, bateu muito show do Sepultura.
Quando as gravações acabaram, os índios pediram para gente tocar. Não levamos equipamento, só dois violões e percussão.
Tocamos a música "Caiowas", do nosso último disco. Antes explicamos o que era o som. Eles assistiram com muita atenção.
Acabamos de tocar e eles começaram a gritar "duré, duré". Perguntamos: "O que está rolando?". Explicaram que queriam bis.
Tocamos mais e virou uma jam session. O Max dava uns berros e eles ficaram amarradões.
Uns três saiam correndo de medo, o resto ficava. Outra hora peguei alguns índios imitando o Max, gritando feito uns loucos.
Uma outra hora, estava passando em frente a uma maloca e, com o pouco português deles, me chamaram para entrar, mandaram eu sentar no chão e começaram a enrolar meu cabelo com cordões e penas. Meu cabelo ficou todo para cima, muito legal.
O lance da pintura do corpo é um ritual interessante. Eles mascam o coco e passam saliva junto com a tinta de urucum em você.
Cada índio chegava com um desenho mais legal, era como uma competição de criatividade.
A informação que tivemos sobre a música deles foi super interessante. A música deles só é composta através de sonhos.
Se sonhar com uma música, você apresenta para o resto da aldeia e todos fazem um arranjo. Você não pode inventar da sua cabeça, é criação coletiva. Eles dizem que a música já existia. Os ancestrais as transmitem por meio dos sonhos.
Prometemos voltar lá para fazer nosso show só para eles, com guitarras etc. Vai ser uma coisa linda.
Foi uma experiência que eu não vou esquecer nunca.

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