São Paulo, quarta-feira, 15 de novembro de 1995
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Filme Kids mostra o caos?

PAULO A. CARUSO RONCA

Os que educam e os que deseducam precisam assistir a esse filme.
Aliás, Kids não é um filme para ser assistido. É para ser enfrentado, pois provoca tamanho estrago em nossas emoções, que o termo é correto: temos que enfrentá-lo, pois com ele caem as máscaras da nossa sociedade que idolatra o consumo, vive da superficialidade e adora as fachadas. É... privilegiamos mais o bule do que o café, a maquiagem do que o rosto, a vitrine do que a loja.
Kids é um documentário realista, embora não nos mostre tudo. Ainda há muitos estragos atrás daquelas cenas e mais por vir. Impertinente, o filme é uma visita sem cerimônias, que incomoda e nos força a buscar proteção: isso só acontece lá; os meus filhos não estão nessa; são atitudes de uma minoria. Há certa verdade nessas desculpas, mas devemos saber que, se de um lado em nossos lares não acontece tudo aquilo, por outro lado, já está acontecendo muito do que o filme mostra! Estamos a caminho!
Durante o filme somos amarrados na cadeira por dois sentimentos: o de impotência e o de frustração. Impotência, porque a avalanche assustadora de ações inconsequentes daqueles jovens deixa-nos sem saber o que dizer, o que pensar e o que fazer. Frustração, pois imaginávamos ter educado os nossos filhos diferentemente e a realidade é outra: imaginávamos que fariam sexo responsável e eles o fazem precoces, às vezes sem vontade e quase sempre desprotegidos; imaginávamos que fossem viver o amor, mas amam mais a violência que de nós adultos compram nos filmes, vídeos e músicas; imaginávamos que seriam jovens críticos e nem percebem que, em vez de Assassinas, a banda deveria chamar-se Mamonas Racistas; imaginávamos que o machismo terminara, mas ele impera triunfante, na cabeça dos meninos e das meninas; imaginávamos que o tabu sobre o sexo tivesse acabado, mas vemos que só mudou de forma: no passado as mulheres tinham que ser virgens, hoje elas têm que ser desvirginadas.
Não me conformo em ver a morte rondando a vida dos jovens e não paro de pensar alternativas para a sociedade: há que se ter uma televisão que não seja tão aética, amoral e apolítica como a nossa; há que se trabalhar pela valorização da cultura e da educação; há que se estimular o moral dos professores e melhorar os seus prostituídos salários. Há, pois, muito o que se fazer em um país onde existem tantos analfabetos, os jovens morrem estupidamente em assaltos, os meninos de rua encharcam as ruas, enquanto o prefeito-aparecido briga com o fumo da burguesia e o pobre-bispo-rico bate na santa...

PAULO AFONSO CARUSO RONCA, 47, doutor em psicologia pela Unicamp, é membro da Comissão de Justiça e Paz e diretor do Instituto Esplan.

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