São Paulo, quarta-feira, 15 de novembro de 1995
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Um Farrakhan tupiniquim

JOSIAS DE SOUZA

BRASÍLIA - Yes, nós temos o nosso Louis Farrakhan. A pretexto de adular os organizadores de uma marcha de negros a Brasília, o ministro Pelé produziu ontem algumas das frases mais racistas de que se tem notícia.
Ele comentava a ausência de negros no Congresso. Disse: "O negro no Brasil não vota no negro". Em seguida, deu a entender que o Saara de crioulos no Parlamento não é de todo ruim.
Disse o nosso negro mais ilustre: "Infelizmente, o sinônimo de político hoje no Brasil, de uma maneira geral, é de corrupto. E o negro não carrega essa carga".
Em duas escassas frases, Pelé conseguiu a proeza de ofender todo o Parlamento e alguns de seus colegas de Esplanada. Só não ofendeu totalmente Fernando Henrique porque o presidente costuma dizer que "tem o pé na cozinha". Seria, portanto, apenas metade desonesto.
As declarações do ministro investem também contra todo o eleitorado brasileiro, incluindo os negros. Ao dizer que negro não vota em negro, Pelé está afirmando que, a menos que tenha votado em branco ou anulado a cédula, o eleitor de cor, em abjeta associação com os brancos, é responsável pela horda de corrupção que assola o Congresso.
Os negros foram a Pelé para pedir que intermedeie um encontro com Fernando Henrique. Planejam levar a Brasília, na próxima segunda-feira, 40 mil negros de todo o país. E gostariam de entregar ao presidente um manifesto antidiscriminação.
A marcha brasileira faz lembrar a cruzada que levou 400 mil negros a Washington no mês passado. E, nesse contexto, Pelé está mais para Farrakhan, o líder negro racista, do que para Luther King. Este último sonhava com o dia em que as pessoas não seriam julgadas por sua cor, "mas pelo conteúdo do seu caráter". Para Pelé, a honestidade é monopólio dos negros.

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