São Paulo, quinta-feira, 16 de novembro de 1995
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O amor de Woody Allen aos esportes

MATINAS SUZUKI JR.
EDITOR-EXECUTIVO

Meus amigos, meus inimigos, em seu novo e delicioso filme "Mighty Aphrodite", Woody Allen vive o papel de um cronista esportivo.
Mas, mais do que no filme, poucas vezes a figura do jornalista esportivo foi tão cultuada quanto em uma entrevista de Mr. Allen que "The New York Times" publicou há duas semanas.
"A Nova York de Jimmy Cannon's é a minha Nova York. Todo o meu sentimento da cidade de Nova York como uma cidade em preto-e-branco de Gershwin (você já viu este filme, nota minha, Matinas) vem da minha leitura de Jimmy Cannon. Eu nunca o esqueci", diz Allen.
Jimmy Cannon foi um famoso colunista de esporte do jornal "The New York Post" durante os anos 50. Allen, que cresceu no Brooklyn nova-iorquino, diz que ele foi "o mais significativo escritor para mim, na minha juventude".
"Eu sempre pensei em ser um cronista esportivo. Eu tinha a fantasia de escrever durante um ano para um jornal. Mas isto seria provavelmente impossível" (não se esqueça que, há quarenta anos, ele frequenta regularmente as cadeiras nos jogos do New York Knicks).
Allen diz que praticou muito esporte na infância, que assiste a quase todo tipo de esporte na TV (alô, alô, Barretos, rodeios, inclusive) e que sempre sonha com esportes e figuras do esporte.
No filme, seu personagem adota um filho (tema derivado dos seus recentes problemas com a ex-mulher Mia Farrow) e sugere à mulher que seu nome deveria ser Sugar Ray, em homenagem ao lutador Sugar Ray Robinson, ou Earl the Pearl, em homenagem ao jogador dos Knicks Earl Monroe. Na vida real, tem um filho chamado Satchel, inspirado no jogador de beisebol Satchel Paige.
Allen escreveu um texto sobre Monroe no qual descreve a "diabólica intensidade que atinge seu rosto quando ele tem a bola em suas mãos". Para ele, alguns atletas tornam-se artistas-performáticos, conseguem uma poesia em ação, uma qualidade de estrelato que ele só encontra em alguns atores como Marlon Brando, Humphrey Bogart e Jack Nicholson.
No melhores momentos dos Knicks, ele encontrava tudo o que se espera do teatro e o teatro, usualmente, não consegue. "Na platéia, você sempre está um passo à frente da peça de teatro ou do filme. Mas, no esporte, isto quase nunca acontece", afirma Woody Allen.
Allen diz se lembrar de uma crônica de Jimmy Cannon em que ele descreve como tinha estado em uma apartamento no qual Frank Sinatra estava cantando ao piano, e, como, agora, ele caminhava para casa sozinho pelas ruas melancólicas de Nova York, com o sol despertando.
Eis o ponto.
O que me tocou na entrevista de Woody Allen é esse encontro misterioso do esporte com alguma diferenciada forma de manifestação artística, com alguma emoção inatingível e, por que não dizer, com alguma impossibilidade que nos tornará para sempre, todos nós cronistas esportivos, caminhantes solitários.
Thank you, Mr. Allen.

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