São Paulo, sexta-feira, 17 de novembro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Zumbi dos gramados

JOSIAS DE SOUZA

BRASÍLIA - Quarta-feira comparei Pelé a Louis Farrakhan, o líder negro racista dos EUA. Errei. Insisto: errei feio. Pelé não é Farrakhan. Não, não. Três vezes não.
Pelé é o novo Zumbi. É o líder que a militância negra procurava havia 300 anos. E não o digo de alegre, mas por experiência própria. Nas últimas 48 horas senti-me como um Domingos Jorge Velho pós-moderno.
As críticas a Pelé renderam-me uma rotina de bandeirante homicida. É como se a Coroa portuguesa me tivesse contratado para dar cabo de Zumbi. Não o de Palmares, mas o de Brasília. Ou, se preferir, o dos gramados. Destrataram-me por carta, fax e telefone.
Rendo-me agora, sem reação. Pelé disse que negro deve votar em negro. Pois se o presidente da Nigéria, o general Nani Abach, pudesse ser candidato a deputado no Brasil, teria o meu voto.
Abach tem contra si o mundo. Acaba de enforcar nove ativistas de direitos humanos. Mas é negro. E a cor o purifica. Teria o meu voto. O meu, o de Pelé e de todos os seus cegos seguidores.
Pelé também declarou o óbvio: a imagem do político brasileiro é associada à praga da corrupção; há corruptos no Congresso e no governo. O inusitado está na ressalva: "O negro não carrega essa carga".
João Alves, o anão sortudo do Orçamento, aquele que ganhava na loteria toda semana, não é propriamente albino. Diria mesmo que tem os dois pés na cozinha. Mas, vá lá. Minha rendição é incondicional. Aceito o poder dogmático das palavras de Pelé.
Corrupção é coisa de branco. E não se fala mais nisso. Farei boca de nojo sempre que cruzar com um azedo. Pode ser insuspeito, honestíssimo. Mas se for loiro, se tiver olhos azuis, protegerei os bolsos.
Antevejo um único e imediato problema. Segunda-feira haverá a marcha dos negros sobre Brasília. Convidado, Zumbi dos gramados prometeu comparecer. Aconselho-o a ir só. Assíria, sua mulher, loiríssima, pode ser linchada.
Aliás, nessa matéria, Pelé é um perigoso agente da democracia racial de Gilberto Freyre. Namorou morenas como a modelo Marina Montini e a miss Brasil Daise Nunes. Teve também um relacionamento com Xuxa. Irrrrc.

Texto Anterior: O nacional que restou
Próximo Texto: Neocivilização
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.

Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.