São Paulo, sexta-feira, 24 de novembro de 1995
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Dramas da seguridade social (na França)

MAILSON DA NÓBREGA

A seguridade social francesa está sucumbindo ao peso de 50 anos de desperdício e de ações de grupos de interesse. O déficit acumulado é de 250 bilhões de francos (R$ 50 bilhões). Somente em 1995, o déficit será de 61 bilhões de francos, dos quais 60% resultantes dos programas de saúde e 25% da Previdência Social.
Se o problema não for resolvido, o déficit público francês estará, em 1999, acima de 3% do PIB, limite estabelecido pelo tratado de Maastricht para um país-membro da União Européia participar da moeda única, cuja entrada em vigor está agora prevista para julho de 2002.
O governo resolveu enfrentar o desafio. Na semana passada, o primeiro-ministro Alain Juppé apresentou um plano considerado "profundo e audacioso". Prevê-se a realização de cortes, a revisão do tempo de contribuição dos segurados e um tributo de 0,5% sobre todos os rendimentos, exceto os dos mais pobres.
Os sindicatos fizeram manifestações contrárias à reforma em todo o país, paralisando o centro de Paris na tarde do dia 14. Estudantes estão exigindo mais recursos e professores. Previa-se uma greve de funcionários públicos para hoje, afetando todos os serviços, principalmente os de transporte. Outra greve, agora geral, está convocada para o próximo dia 28.
Como se vê, o Brasil não está sozinho nos déficits da Previdência nem nas manifestações contra as reformas. O problema é universal. Dificilmente se encontra um sistema de seguridade social equilibrado financeiramente. Outros países europeus e os EUA estão também tentando revê-los, numa tentativa de reduzir ou eliminar seus déficits.
Não deixa de ser triste. O Estado do bem-estar social se tornou realidade nos países capitalistas avançados nas décadas de 50 e 60, o mais espetacular período de crescimento da história da humanidade. Foi possível dar às camadas mais pobres proteção social contra as ameaças das doenças, da pobreza e da velhice desamparada.
Na década de 70, seis desses países gastavam mais de 60% de seus orçamentos com a seguridade social: Austrália, Bélgica, França, Alemanha Ocidental, Itália e Países Baixos. Eric Hobsbawm diz que, "nos eufóricos anos 60, alguns governos incautos chegaram a garantir aos desempregados -poucos então- 80% de seus antigos salários".
Os países em desenvolvimento seguiram o mesmo passo, ainda que a situação de renda e riqueza nem sempre o autorizasse. Era, todavia, uma necessidade dos tempos. Entre nós, havia uma justificativa adicional: os níveis vergonhosos de miséria, pobreza e concentração de renda.
Encontrar uma saída para a seguridade social e resolver o problema do desemprego estrutural são, na realidade, os dois grandes desafios mundiais deste final de século. No Brasil, será preciso também eliminar inaceitáveis privilégios na Previdência. Aqui, a aposentadoria de funcionários públicos, que representam 10% dos segurados, custará R$ 35 bilhões. Os demais 90%, segurados do INSS, consumirão a mesma quantia ou menos.
O trabalhador rural se aposenta em média com um salário mínimo e o urbano com 2,1. No Legislativo, a média pula para 36,2 e no Judiciário para 36,6, a maioria sem ter contribuído para tanto. Há servidor público aposentado ganhando mais do que o presidente dos Estados Unidos.
Na França, os sindicalistas e os estudantes estão protestando contra o que lhes parece uma ofensiva do governo contra as classes menos favorecidas e os aposentados. No Brasil, as resistências à reforma da Previdência constituem, em última análise, a defesa de grupos privilegiados, que extorquem a sociedade.
Na França, a maioria parlamentar do governo, disciplinada e leal ao programa que ganhou a preferência do eleitorado, deve aprovar a totalidade ou grande parte das propostas. No Brasil, um deputado do PMDB, partido que diz apoiar o governo, quer preservar os "direitos adquiridos". O sistema começaria a corrigir seus graves defeito por volta do ano 2030.
Se a idéia do deputado vier a prevalecer, a Previdência explodirá e com ela os sonhos de estabilidade monetária, crescimento econômico e redução das desigualdades sociais. A França, enquanto isso, terá conseguido ajustar seu sistema, entrar na União Monetária Européia e continuar a desenvolver-se. Pobres de nós.

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