São Paulo, domingo, 26 de novembro de 1995
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Para MST, Graziano é aliado dos sem-terra

GEORGE ALONSO
DA REPORTAGEM LOCAL

O nome de um presidente do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) nunca esteve tão bem entre os sem-terra como o de Francisco Graziano, apesar de seu envolvimento no caso do "grampo do Sivam".
João Pedro Stedile, 41, principal articulador do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), defende Graziano como peça fundamental para a realização da reforma agrária no país.
"Sua entrada nos favoreceu. Ele entende de reforma agrária", diz Stedile em entrevista à Folha. Por estar ligado ao Palácio do Planalto, afirma Stedile, "quem tentar desestabilizá-lo, estará desestabilizando Fernando Henrique".
O líder sem-terra diz ainda que as ocupações vão diminuir se o governo acelerar os assentamentos e sugere que as desapropriações só atinjam terras acima de 1.000 hectares, exceto no Sul e Sudeste.

Folha - O sr. participou do acampamento da Encruzilhada Natalino (RS), em 7 de setembro de 1979, o berço do MST?
João Pedro Stedile - Participei. O MST surgiu da conjunção de vários fatores. Na ditadura militar, foi desenvolvida uma forma de capitalismo na agricultura que excluiu, com a mecanização, milhares de camponeses que viviam como meeiros e arrendatários. A colonização da Amazônia foi oferecida como saída. Mas quem foi lá percebeu que só tinha malária. Os sulistas se desanimaram.
A outra saída foi a cidade, aproveitando o "milagre econômico". Mas, no fim dos anos 70, começou a haver desemprego nas cidades. Além disso, cresceu o sentimento de luta contra a ditadura.
Folha - Mas Igreja Católica ajudou a surgir o MST, não?
Stedile - A igreja, que apoiou o golpe de 1964, em 1975 mudou de lado. Passou a dizer que Deus só ajudava quem se organizava. Vieram as ocupações, e a igreja incentivou o encontro de lideranças, para trocar experiências.
Folha - O que mudou no MST desde a sua fundação em 1985?
Stedile - No início, víamos a reforma agrária só como a conquista da terra. Hoje, achamos que é um caminho para criarmos um modelo de desenvolvimento que traga para o mercado consumidor amplas camadas marginalizadas.
Só terra não adianta. Queremos educação no campo e a agroindústria. No início, tínhamos orgulho de dizer "nosso líder só tem 4º ano primário". Hoje, temos vergonha de dizer isso e já colhemos frutos. Temos professores e até advogados filhos de assentados.
Folha - O sr. está defendendo a volta ao campo?
Stedile - Não. Defendo a integração das pessoas a uma economia com base agrícola, porque 50% das pessoas que moram na cidade têm vinculação com a agricultura. O modelo industrial só resolve o problema para alguns.
Não adianta querer ver a realidade brasileira pela ótica paulista. No Maranhão, 60% da população mora no campo e você anda 200 km para ver uma casa de tijolo.
Folha - Parece estar mais fácil arrebanhar novos sem-terra.
Stedile - Claro. Com a crise, as pessoas estão percebendo que a cidade não dá alternativa para elas. O Brasil não vai resolver os problemas urbanos sem resolver o problema agrário. E é preciso repensar a agricultura, diferente dessa que o Fernando Henrique quer.
Folha - O que acha de FHC?
Stedile - Não existe saída para a grande maioria de pobres nesse plano neoliberal. Não adianta difundir que podemos fazer uma sociedade moderna, igual à dos EUA, onde todo mundo tem computador, carro e parabólica.
Folha - No Jequitinhonha (região ao norte de Minas Gerais, uma das mais pobres do país) está cheio de parabólicas.
Stedile - Pergunte ao vendedor de parabólicas se ele já vendeu 60 milhões de antenas. É uma ilusão.
Folha - E é possível assentar 4,8 milhões de famílias?
Stedile - É. O que eu quero dizer é que para aproximar as pessoas dos avanços tecnológicos é preciso utilizar a terra. A indústria e o setor de serviços estão desempregando e a tecnologia prescinde cada vez mais de mão-de-obra.
Não adianta querer implantar modelos que funcionam nos EUA e na Europa, porque eles têm um mecanismo de intercâmbio desigual com os outros povos.
Folha - O governo anunciou um pacote de desapropriações. O sr. acha o gesto um avanço?
Stedile - Foi marketing. O Incra desapropria no Ceará, Mato Grosso. Ninguém quer ir lá. No Ceará, a terra é semi-árida, sem água. Até eu desaproprio no Ceará.
O lado bom foi mandar ao Congresso o projeto do rito sumário de desapropriação e retirar o do Ministério da Agricultura.
Folha - O MST não suporta o ministro da Agricultura...
Stedile - Andrade Vieira é um elemento contra a reforma agrária no governo. É o porta-voz do latifúndio e um ignorante da agricultura. Os ruralistas deviam ter vergonha de ter de recorrer a um banqueiro em um país agrícola. Eles sempre expoliaram a agricultura.
O ministro deve estar estar lá por ter contribuído muito para a campanha de Fernando Henrique.
Folha - Por que a postura do MST com Francisco Graziano, presidente do Incra, é outra?
Stedile - Sua entrada nos favoreceu. Ele entende de reforma agrária e se mostra disposto a fazê-la. Se diferencia dos anteriores. Sua indicação atendeu velha reivindicação do MST, de que o Incra tem de ter poder político e estar ligado ao presidente.
Folha - Em 25 dias deste mês foram 15 as invasões do MST no país, uma a cada 40 horas. Isso não fragiliza esse "aliado"?
Stedile - Dissemos ao Graziano que entendemos a reforma agrária como um processo. E cada um faz o seu papel. O Incra desapropria e o MST organiza os trabalhadores e pressiona. Se FHC acelerar os assentamentos, o ritmo das ocupações cairá. As famílias não vão precisar passar por esse sacrifício.
Agora, desestabilizar o Graziano hoje é desestabilizar o presidente. Os fazendeiros apóiam o plano neoliberal. Não farão isso.
Folha - Como evitar a reconcentração de terra, se vivemos no sistema capitalista?
Stedile - Primeiro, propriedades com menos de 1.000 hectares não devem ser desapropriadas. Exceto na região Sul. Em São Paulo, por lei, isso ocorre com terras com até 500 hectares. Deveríamos chegar, no futuro, a uma lei que estabelecesse tamanho máximo de propriedade. Isso não é medida socialista.
No Japão é assim. Nos EUA, a colonização do Oeste estabeleceu a propriedade máxima de 150 acres.
Folha - O MST defende o assentamento de sem-terra no Estado de origem. Mas no Pontal do Paranapanema arregimenta gente de Tocantins, Paraná...
Stedile - Os camponeses foram para lá como bóias-frias. Os fazendeiros não perguntaram sua origem na hora de colher algodão. O Pontal é o calcanhar de Aquiles dos fazendeiros. Lá as terras são públicas. Só lamento não termos mais gente para ocuparmos os 66 mil hectares de uma vez só.
Outra falácia é exigir vocação agrícola. O burguês que mora na Paulista tem vocação para ter terras em Corumbiara? Por que não mora em cima das terras? Por que precisa ter 18 mil hectares?
Folha - Em 1996, o Incra quer emancipar assentamentos que vão bem. O que o sr. acha disso?
Stedile - O centro da questão hoje é como assentar. Não somos contra a emancipação, mas recomendamos ao governo emancipar também os usineiros e os caloteiros do Banco do Brasil.
Folha - Por que o MST tem militantes profissionalizados?
Stedile - Temos militantes da reforma agrária, aquele que não luta só para ter a terra para si e se dispõe e ir para outros Estados, assim como o Exército desloca oficiais de um Estado para outro.
Folha - E militante não planta, não põe a mão na enxada?
Stedile - Eles têm interesse em ter lote. Mas a maioria é jovem, solteiro, está numa fase da vida em que ainda não se estabilizou.
Folha - O pessoal recebe cursos no exterior, como em Cuba?
Stedile - Nos orgulhamos disso. Estudamos experiências de reforma agrária do Japão, Polônia, EUA, Israel e já foi gente para Cuba, Bélgica, França, Finlândia.

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