São Paulo, domingo, 26 de novembro de 1995
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Kwasniewski apostou nos 'perdedores'

TAD SZULC
DO "INTERNATIONAL PRESS SYNDICATE"

Aleksander Kwasniewski acha que o grosso de seus eleitores veio das fileiras dos "perdedores": os desempregados e, mais significativamente, os 9 milhões de aposentados (um quarto da população) que não conseguem sobreviver com suas pensões a uma inflação que ainda ronda os 30% anuais.
Seu argumento principal é que os problemas básicos da Polônia só serão resolvidos quando, em suas palavras, "algum equilíbrio for criado entre os perdedores e os vencedores" dos grandes confrontos políticos dos últimos dez anos.
Nesse momento, Kwasniewski me disse: "Temos milhões de cidadãos para quem as reformas econômicas não foram uma vitória, mas uma derrota".
Um olhar superficial na situação da Polônia e algumas conversas mantidas em Varsóvia e nas áreas rurais sugerem que existe realmente uma "superclasse" de "vencedores" e uma "subclasse" de "perdedores", enquanto uma nova classe média está apenas começando a surgir a partir das políticas de livre mercado dos governos que tomaram o lugar do comunismo.
Varsóvia está repleta de novos hotéis, alguns dos melhores (e mais caros) restaurantes do mundo, butiques elegantes e cada vez mais Jaguares e Mercedes ajudando a criar engarrafamentos.
Pouco tempo atrás, a revista "Wprost" publicou uma lista dos cem poloneses mais ricos, enfatizando que as empresas das quais são proprietários têm uma receita total de mais de US$ 10 bilhões. O mais bem-sucedido desses cem é Mark Profus, 43, cujo conglomerado internacional ganhou US$ 1,1 bilhão no ano passado.
Mas, na minúscula aldeia de Przepolew, perto da cidade de Kalisz, no nordeste do país, um agricultor grisalho cuja casa não tem eletricidade nem água encanada é claramente um dos "perdedores". Ele me conta que provavelmente irá falir em pouco tempo.
"O custo do combustível para meu trator e minha ceifeira, mais o fertilizante, é mais do que eu ganho vendendo o leite, os porcos e as vacas da fazenda. E o crédito custa tão caro que nem posso sonhar em consegui-lo." O fazendeiro e outros culpam os novos governos democráticos pela difícil situação em que se encontram.
Fazendo-me lembrar que, motivados por ideologia ou oportunismo, cerca de 2 milhões de poloneses eram membros do Partido Comunista no passado, Kwasniewski disse que os políticos de direita poloneses cometeram um "grave engano" ao resumir o período comunista inteiro como "um buraco negro, um crime, uma colaboração com um ocupante estrangeiro".
"Isto privou milhões de pessoas de seu senso de dignidade", ele me disse. "Era como se dissessem 'tá bom, você já está com 60 ou 70 anos de idade, mas precisa apagar toda sua vida anterior porque não passou de besteira'. Para um adulto que trabalhou, construiu uma carreira, ganhou um diploma num campo científico e tornou-se gerente ou operário, era como se uma vida inteira fosse marcada com um X. Era como lhe dizer que sua vida inteira não tinha valido nada. As pessoas não podem aceitar uma coisa dessas".
Num país onde o anti-semitismo se recusa a morrer (embora hoje não haja mais de 10 mil judeus na Polônia, comparados aos três milhões de antes da Segunda Guerra), Kwasniewski é alvo de campanhas difamatórias dizendo que é metade judeu (não é).
Em junho, o padre Henryk Jankowski, amigo de longa data de Walesa, afirmou numa missa à qual o presidente estava presente que "não devemos tolerar que pessoas que ainda não disseram se vieram de Moscou ou de Israel mandem em nós".
Jankowski declarou que o símbolo judaico da estrela de Davi está inextricavelmente ligado à suástica nazista e ao emblema comunista do martelo e da foice.
Foi só depois de os EUA deixarem claro a Walesa que se ele não fizesse um anúncio público desassociando-se das palavras de Jankowski, Bill Clinton não se reuniria com ele em San Francisco nas comemorações do 50º aniversário da assinatura da carta da ONU, em 25 de junho, que Walesa declarou que nem ele nem o sacerdote eram anti-semitas. Clinton então concordou em passar alguns minutos reunido a sós com Walesa. Afinal, a Polônia é hoje aliada dos EUA.
Após quase um milênio de guerras intermitentes com a Rússia, um século e meio de ocupação russa e quase meio século de controle comunista soviético, a verdade pura e simples é que os poloneses de todas as gerações e de todos os matizes ideológicos sentem profunda desconfiança e medo visceral de Moscou. Hoje, com a aguda consciência que têm de que a Rússia continua sendo uma potência nuclear, esse medo está chegando ao auge.
"Enquanto tudo andar bem na Rússia, estaremos felizes", diz Kwasniewski. "Se a democracia prevalecer na Rússia, também ficaremos felizes. Mas é bom considerarmos a possibilidade de um cenário negativo. Mais duas guerras do tipo Tchetchênia, uma onda crescente de nacionalismo extremo e alguns distúrbios nacionais imprevisíveis -nos veremos diante da necessidade de dispor de garantias de segurança para a Polônia. A Otan é importantíssima para nós, psicologicamente falando. Se quisermos confirmar o acerto da escolha que fizemos seis anos atrás, por um sistema de livre mercado, europeu e democrático, então a filiação à Otan é de extrema relevância."

Tradução de Clara Allain

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