São Paulo, domingo, 26 de novembro de 1995
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Overshooting

A expressão em inglês, como aliás tantas em economia, designa um exagero, como quando se dá um tiro de canhão visando a um alvo de escopeta. E é comumente usada, na literatura sobre planos de estabilização, como metáfora para as políticas econômicas que, diante de um futuro incerto, preferem pecar por excesso e não pela falta.
É mais ou menos unânime, por exemplo, que inflação baixa e crescimento alto são incompatíveis. Nada mais natural, portanto, que um governo cioso evite o crescimento econômico exagerado quando conduz uma estratégia de estabilização.
O "overshooting" surge quando, além de frear demais a economia, o governo usa como freios instrumentos contraproducentes, ou seja, que acabam gerando resultados contrários aos pretendidos. No caso, o contra-senso é estabilizar os preços, mas desestabilizar a estrutura produtiva e financeira. Nas últimas semanas tornou-se patente o que já se sabia: o governo descuidou-se na dose e na receita.
Da crise no setor agrícola aos episódios de quebra no varejo, passando pelo que se percebe como uma operação extremamente custosa de resgate do sistema bancário e pela incapacidade do governo de garantir superávits nas contas públicas, os efeitos colaterais do "overshooting" estão expostos.
É fato que a economia merece os ares da concorrência dos importados para modernizar-se em todos os setores. É fato que o sistema bancário precisa encolher e adaptar-se a tempos de inflação baixa. É fato igualmente que está em curso um ajuste produtivo global de consequências perversas sobre o mundo do trabalho. Entretanto, simplesmente ignorar que a dose foi exagerada significaria pactuar com um silêncio que, entre outros efeitos deletérios, apenas adia indefinidamente a correção de rota. Quase 1,4 ano depois do lançamento do real, a própria gravidade do momento exige uma revisão tática.
Mais uma vez, é ilustrativo observar o que se faz no resto da América Latina: na Argentina, o presidente Menem lança-se a uma segunda onda de reforma do Estado, no México, a taxa de câmbio vai aos poucos encontrando um nível mais crível para os mercados.
A cura do "overshooting" não virá simplesmente pelo relaxamento das restrições, não se trata simplesmente de reincidir no "stop and go", na gerência da economia que se limita a administrar o ritmo e a intensidade de expansões e contrações sem destino.
A equação que articula juros, câmbio e fisco precisa de revisão, sob pena de esvair-se a credibilidade na consistência macroeconômica, condição de longo prazo para o sucesso da estabilização.
Constatado o "overshooting", está mais do que na hora de reconstruir um alvo, antes que comece o tiroteio no escuro.

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