São Paulo, segunda-feira, 27 de novembro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Minissérie se rende à grandeza do cinema

Clássico 'Rastros de Ódio', de John Ford

ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA

Com a minissérie jornalística "100 Anos Luz", que continua sendo exibida até sexta-feira às 22h30, a Globo presta sua homenagem aos cem anos de cinema. E nos brinda com fragmentos memoráveis da história da sétima arte.
As imagens por si só sugerem a densidade com que o cinema capta e expressa o imaginário do século 20, de Meliés a Spielberg.
Difícil é dar conta de toda essa heterogeneidade. Na minissérie, filmes e astros bem escolhidos desfilam em um panorama fragmentado. Em cada vinheta vislumbra-se uma genialidade muito particular, que no entanto, permanece fugidia.
A cultura do século 20 está impregnada pelo cinema. A luminosidade da película fascina desde os últimos anos do século passado, quando as projeções ocorriam em feiras e parques de diversão.
A sala escura, o cinema mudo, o cinema falado, o cinema em cores, o cinema saturado de efeitos especiais, o cinema na televisão. De diversão marginal, o cinema se tornou instituição central na construção de nossas formas de perceber o mundo.
Vem do cinema de Hollywood dos anos 40 e 50, as convenções básicas da linguagem da televisão, como o uso de três câmeras, e a edição alternada do plano e contraplano. Ao homenagear o cinema com reverência quase deslumbrada, a minissérie da Globo expõe a posição subordinada em que o veículo televisivo se coloca diante da nobreza do cinema.
A distância entre a riqueza das imagens exibidas e a abordagem da minissérie fica pateticamente exposta no traje de gala dos apresentadores, desajeitadamente situados de pé, no palco entre a tela e a câmera.
A homenagem se prende à solenidade da roupa, replicada no emprego excessivo de termos como mito, sofisticação, refinamento. Exceto a veneração pelas raridades exibidas, há pouco argumento no programa.
O agrupamento temático dos capítulos -amor, aventura, comédia, suspense, sexo, rebeldia, musicais- não ajuda a captar especificidades. A narração oscila entre simplesmente reproduzir o que vemos na tela e condensar em frases muito rápidas o significado de obras e diretores marcantes. A profusão de informações pouco alinhavadas se perde, chegando a ameaçar o repertório sagrado com monotonia.
É como se a televisão estivesse limitada a citar ou fazer pastiche das maravilhas do cinema. A minissérie exibe como que verbetes de um repertório especializado. Um repertório de onde se retira inspiração, e através do qual se estabelece uma cumplicidade com o público que compartilha o amor pelo cinema. É pouco reflexiva.
Filmes que ficaram célebres carregam um algo mais na linguagem ou na abordagem de oposições profundamente arraigadas, em algum momento do tempo, em algum lugar do mundo.
É essa dimensão que faz por exemplo do bang-bang um gênero que mobiliza a imaginação. E dentro das convenções do Western, diferencia clássicos como "My Darling Clementine" de "Rastros de Ódio".
O cinema mudo é pródigo no pastelão. Mas as cenas hilárias de leões que passeiam pela cidade, de personagens dependurados no topo de edifícios, de casas que giram, de camas que passeiam entre estábulos, de personagens que entram na tela do cinema, sugerem uma lógica de representação que foge à linearidade clássica inventada posteriormente pelo cinema hollywoodiano. E que também está aí para ser explorada.

Texto Anterior: Estilistas franceses vêm ao Rio para congresso
Próximo Texto: Howard Hawks não economiza recursos
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.