São Paulo, segunda-feira, 27 de novembro de 1995 |
Texto Anterior |
Próximo Texto |
Índice
Atentado Cultural
CARLOS HEITOR CONY RIO DE JANEIRO - A decisão da justiça, ainda em fase de recurso, de apreender o livro de Ruy Castro sobre Garrincha, é um precedente contra a liberdade de pesquisa e o jornalismo investigativo, contra a literatura em geral. O trabalho sobre o drama de um dos ídolos nacionais é um dos grandes momentos de nosso caldo cultural.A alegação de que o livro fere a honra e o bom nome do biografado é pueril e, essa sim, de evidente má fé. O advogado das filhas de Mané, tal como seu antecessor em vida do próprio jogador, sob o pretexto de defender o patrimônio moral das herdeiras de Garrincha, procura apenas defender a possibilidade de ganhar algum dinheiro a custa do editor e do autor. Acompanhei a gestação do livro de Ruy, sou testemunha de sua consciência profissional, de seu rigor na apuração dos fatos. Ele já havia conquistado reputação com trabalhos anteriores que fizeram incontestável sucesso e o consagraram como um dos mais sérios pesquisadores de nosso recente passado. Suas obras sobre a bossa nova e sobre Nelson Rodrigues são definitivas, podem ser ampliadas, mas dificilmente serão melhoradas. O mérito jurídico da questão será definido pela instância competente. Qualquer jornalista ou escritor sentir-se-á ameaçado por uma interpretação legal que pode cercear a liberdade de expressão, o direito de buscar a verdade. A prevalecer a proibição, teremos o atestado de óbito da investigação em torno de nosso passado e de nós mesmos. O alcoolismo de Garrincha, responsável pela sua decadência profissional e física, é fato histórico. Eu próprio o entrevistei, logo após aquele sinistro desfile numa escola de samba: encontrei-o em estado lastimável, deixando o cigarro queimar sua perna sem nada sentir, tal a sua abulia. O livro é a história de uma grandeza e de uma miséria. Um documento da condição humana que servirá de reflexão a todos aqueles que perdem o controle sobre a própria vida. E nem todos foram ou serão, como Garrincha, a alegria de um povo. Texto Anterior: Pequenos favores, grandes negócios Próximo Texto: Salve o mercado global Índice |
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress. |