São Paulo, quinta-feira, 30 de novembro de 1995
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Chelotti escreve uma coisa e diz outra

DENISE MADUEÑO; GUILHERME EVELIN
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O diretor-geral da PF (Polícia Federal), Vicente Chelotti, afirmou uma coisa em depoimento na Câmara e outra muito diferente no relatório que entregou ao ministro Nelson Jobim sobre a escuta telefônica.
À supercomissão, disse haver indícios suficientes para a abertura de inquérito para apurar tráfico de influência do embaixador Júlio César Gomes dos Santos, ex-chefe do cerimonial da Presidência da República.
No relatório entregue ao ministro, na última segunda-feira, afirma que "não se vislumbrou, em tese, tráfico de influência".
Com essa argumentação, Chelotti justificava a Jobim o fato de ele não ter comunicado o resultado da escuta ao ministro. A afirmação consta das respostas apresentadas ao questionário de Jobim (leia texto nesta página).
Ontem, em depoimento na Comissão de Defesa do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias, Chelotti mudou de opinião. "O que tem aí é mais que suficiente para se buscar investigações em termos de caso Sivam", disse.
Chelotti afirmou que a decisão de abertura de inquérito vai depender do parecer da Corregedoria Central Judiciária da PF, para onde enviou o conteúdo das gravações.
Segundo o delegado Mário de Oliveira, a PF tentou investigar mais profundamente as atividades de Júlio César, mas não conseguiu avançar. Ele disse que agentes da PF chegaram a ir até o hangar da Líder Táxi Aéreo com o propósito de fotografar Júlio César.
Em uma das conversas gravadas, o embaixador acerta com o dono da Líder e representante da Raytheon no Brasil, José Afonso Assumpção, uma viagem a Las Vegas, nos EUA.
"As fotos foram feitas, mas o embaixador não aparece nelas", disse Mário de Oliveira. "Não sabíamos quem ele era", completou o delegado.
No depoimento, Chelotti afirmou que o embaixador Júlio César mentiu quando disse que os telefones de sua sala no Palácio do Planalto foram grampeados.
"Podemos provar que, tecnicamente, ele mentiu. Está querendo nos enlamear, mas é ele que tem que explicar muitas coisas, não a Polícia Federal", disse.
O diretor da PF justificou a edição da fita afirmando que é um procedimento rotineiro. Disse que, se pedirem nova fita, será apenas mais uma cópia da que ele dispõe com as conversas do embaixador. Ele repetiu que não há diálogos gravados do presidente Fernando Henrique Cardoso.
A escuta telefônica que levantou suspeitas de corrupção no projeto Sivam foi feita com equipamento obsoleto. O delegado Mário de Oliveira levou à comissão o material que, segundo ele, foi usado na escuta.
O equipamento se resume a um gravador cassete da marca "Shiro", de fabricação chinesa, de cerca de 20 centímetros de tamanho, a um monitor de grampo "Mosca I", que conecta a linha telefônica ao gravador, e a um desmagnetizador, que apaga as fitas gravadas de 60 minutos. Nenhum dos aparelhos apresentados tinha placa metálica indicativa do patrimônio do órgão público.
Os delegados disseram que a PF não tem aparelhos como o bina, que registra a origem das ligações. "Temos de desmistificar a Polícia Federal. É um sonho achar que a polícia é equipada. A polícia não tem condições de grampear todo mundo", disse Chelotti.
Chelotti descartou a hipótese de pedir demissão "por consciência de dever cumprido".

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