São Paulo, quinta-feira, 30 de novembro de 1995
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Economia sempre determina as regras

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DE CINEMA

O primeiro movimento foi geográfico. No início dos anos 10, os produtores independentes, comandados por Carl Laemmle, deslocaram-se do Leste para o Oeste, de Nova York para Hollywood. Fugiam às perseguições do truste comandado por Thomas Edison e William Kennedy, que detinha as patentes do cinema.
Esse primeiro gesto deu o tom aos principais movimentos do cinema. Antes de serem estéticos, foram ditados por razões econômicas. Nem sempre, já que o expressionismo, logo a seguir, é o que se pode designar como um movimento essencialmente estético.
Em 1919, "O Gabinete do Dr. Caligari", de Robert Wiene, ligou o cinema a correntes da arte e da literatura alemãs, ao lembrar que o cinema podia ser a expressão exterior do mundo psíquico, com seus fantasmas e deformações.
Existia, na verdade, um elemento econômico por trás do expressionismo: ele era o correspondente simbólico de um país destroçado pela Primeira Guerra Mundial.
Na mesma medida, as vanguardas russas dos anos 20 expressam a necessidade de criar formas compatíveis com as aspirações proletárias da Revolução de 1917. Do documentário de Dziga Vertov à ficção de Eisenstein, o número de subcorrentes é quase igual ao de cineastas.
Eles têm em comum a sofisticação formal (com frequência oriunda das vanguardas artísticas dos anos 10) e a preocupação de dotar a nascente URSS de imagens concebidas à margem do pensamento burguês e condizentes com um ideal de cultura proletária que se procurava criar naquele momento.
A guerra novamente é um fator essencial à compreensão do que aconteceria a partir de 1945. Numa Itália destruída, Roberto Rossellini transforma o cinema ao filmar "Roma, Cidade Aberta". Abandona os estúdios, dá preferência aos atores amadores, extrai sua história da própria realidade contemporânea na Itália.
Rossellini influenciará todo o cinema moderno, mas na Itália o Neo-realismo finca raízes de imediato e dá origem a uma geração de realizadores excepcionais, como Antonioni, Fellini, Visconti, Vittorio De Sica.
Nos EUA, os produtores percebem, também, que os soldados que tinham estado na Europa durante a Segunda Guerra Mundial já não aceitam ver uma Europa reconstituída em estúdio. A geração do pós-guerra, nos EUA, também sai às ruas, opta por temas "sérios" e busca formas de interpretação realistas.
Quando a Nouvelle Vague surge na França, no fim dos anos 50, é influenciada tanto pelo cinema americano dos anos 50 como pelo neo-realismo. Ainda uma vez, porém, a economia prevalece: opta pelos novos equipamentos leves de câmera, pelo uso de pouca iluminação e pela racionalização dos custos de produção.
Trata-se de fazer o cinema francês abandonar o pesado maquinário que o imobiliza e quebrar os códigos do "bem filmar". A principal escola dos novos cineastas -Godard e Truffaut à frente- é a cinefilia. Aprenderam a filmar vendo filmes e, agora, aposentam os artifícios do realismo psicológico então dominante.
Dez anos mais tarde, aproximadamente, é a vez de, nos EUA, nomes como Francis F. Coppola, Martins Scorsese, George Lucas, Steven Spielberg, Brian De Palma, surgirem e começarem a se impor.
À parte terem saído das escolas de cinema, boa parte deles vem das pequenas produções de Roger Corman, um especialista em filmes de baixo custo. Eles somam o aprendizado escolar ao de Corman, num momento em que Hollywood atravessa uma crise econômica e criativa.
Com pequenos filmes pessoais, no início de carreira, ganham impulso, consagram-se e passam às grandes produções. Conservam uma característica: o dinheiro que gastam nos filmes aparece na tela.
É esta geração que, partindo da ambição de revolucionar o cinema americano, criará o "blockbuster" a partir de "Guerra nas Estrelas", de George Lucas (1976): surge então o filme-evento graças ao qual Hollywood estabelece um domínio mundial sem precedentes.
Mesmo isso não impede o movimento e os movimentos. Desde os anos 80, um novo cinema independente surge nos EUA. Cinemas de um Oriente longínquo -China, Hong Kong, Irã- tornam-se subitamente próximas e ocupam o lugar de uma Europa em crise. De Hollywood ao Irã, porém, a economia é quem dita a regra. A arte é sempre a exceção.

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