São Paulo, quinta-feira, 30 de novembro de 1995
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EUA controlam máquina de distribuição

LEON CAKOFF
ESPECIAL PARA A FOLHA

Pouca gente deve ter entendido quando Pedro Almodóvar, convidado para abrir a 19ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, esbravejou no programa "Roda Viva", da TV Cultura: "Quero ver eles (o cinema americano) competirem com o nosso cinema falando a língua deles (o inglês)."
O cinema americano produz apenas um para cada cinco filmes produzidos no mundo. Mas domina 73% da programação -a do mercado espanhol.
A produção de Hollywood já chega aos seus cinemas dublado em espanhol. O mesmo acontece na Alemanha, na Itália e na França, onde o cinema americano domina, respectivamente, 84%, 76% e 58% do mercado exibidor.
Na média geral, a cada dez ingressos de cinema vendidos em território europeu, sete são para filmes americanos. Enquanto isso, a cada 100 ingressos vendidos nos Estados Unidos, apenas três são para ver filmes de outras nacionalidades.
O cinema americano é mesmo uma preferência internacional. Mas será ele um produto realmente superior ao que é oferecido pelas outras cinematografias do mundo? Evidente que não, se considerarmos a diversidade de qualquer festival internacional e a desvantagem que os filmes "made in Hollywood" levam em suas seleções.
A grande vantagem do cinema americano está na sua rede de distribuição.
É uma máquina voraz e insensível. Ela é capaz de desmantelar qualquer indústria cinematográfica pelo mundo e penalizar qualquer talento criativo com a inatividade ou o ostracismo. Mesmo o cinema de Hollywood, na sua longa crise pelos anos 60 e 70, teve os seus produtos substituídos na rede de distribuição das "majors" de Hollywood pelo cinema italiano, em grande escala, e o francês, numa escala menor.
Depois disso, não é que o cinema italiano entrou em decadência, como se propalou, diante da recuperação do cinema americano e da sua retomada na distribuição em escala mundial. Ele apenas foi descartado na prioridade que as distribuidores americanas voltaram a dar... ao cinema americano.
No Brasil, o cinema americano não fala português. Nem por isso o seu domínio deixou de crescer diante da frouxidão das lei protecionistas ao cinema nacional. No Irã o cinema americano é oficialmente proibido. Mas uma rede clandestina de contrabando em video-cassette abastece todo o mercado e uma população fanática de cinéfilos com as novidades de Hollywood. A pirataria sequer chega a ser dissimulada. No cinema do Grande Hotel de Teerã, onde todos os convidados do 13º Festival de Fajr estavam hospedados em fevereiro último, os iranianos podiam assistir "Jurassic Park" todas as noites em telão de vídeo.
O vídeo é também o único recurso que resta em muitas cidades brasileiras longe das capitais, onde o cinema como grande templo de espetáculos deixou de existir, vencido pelo poder especulativo, a partir dos anos 70, primeiro pelo boom das agências bancárias, depois dos supermercados e, finalmente, dos templos evangélicos. Mas o advento do vídeo e a disseminação dos aparelhos de video-cassettes não se presta ainda ao resgate da memória do cinema. São raros os lançamentos de títulos clássicos, em detrimento da avalanche de lançamentos de títulos descartáveis.
Para as cerca de 11 mil videolocadoras (dados do "Jornal do Vídeo") no Brasil, o número de novembro da revista "Ver Vídeo" aponta 166 lançamentos. O mercado do vídeo brasileiro, considerado o quarto no ranking mundial, fez surgir uma nova classe empresarial no país que nada tem a ver com a cultura do cinema. Para espanto e festa dos produtores de filmes nos grandes mercados e festivais, como os de Milão, Los Angeles e Cannes, a concorrência entre esta nova classe de distribuidores de vídeo e cinema provoca no momento uma disparada de preços inimaginável há apenas dois anos.
Estes mesmos distribuidores, que raramente ultrapassavam a barreira dos 15 mil dólares como mínimo garantido nas aquisições de qualquer título ainda em produção, são obrigados agora a disputar filmes com preços mínimos de dez a cem vezes superior. E para colocar o que em nosso mercado? Segundo a mesma última edição do "Ver Vídeo", 77,11% de filmes americanos contra oito títulos nacionais, dois da China, três de Hong Kong, quatro da França, oito da Inglaterra, quatro do Japão, um da Dinamarca, dois da Austrália, dois do Canadá e dois da Itália. E onde fica o grande resto da produção mundial?

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