São Paulo, quinta-feira, 30 de novembro de 1995
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Veto à venda de biografia lança debate

FERNANDO PAULINO NETO
DA SUCURSAL DO RIO

Dois dispositivos constitucionais -os que garantem a liberdade de expressão e o direito à privacidade- se confrontam na ação que as filhas de Garrincha movem contra a Companhia das Letras, editora da biografia do jogador, "Estrela Solitária -Um Brasileiro Chamado Garrincha", de Ruy Castro.
Para a juíza Letícia de Faria Sardas, da 42ª Vara Cível, onde está o processo, a questão é controvertida. "O dano moral é uma matéria muito recente (da Constituição de 1988) que tem, ainda, uma jurisprudência vacilante", disse.
A juíza diz que a questão é saber "até onde vai o direito de publicar e em que ponto se invade a privacidade, em que momento se pula o muro", diz.
Professor de processo civil da PUC (Pontifícia Universidade Católica) do Rio e conselheiro da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Ivã Nunes Ferreira entende que não há ilegalidade.
"Seria uma tentativa de censura" proibir a circulação do livro, acredita Ferreira.
Para ele, "se tratando de pessoa pública, ela está sujeita a análises de seu passado". Se a família de Garrincha se sente atingida, tem o direito de escrever outro livro, contando sua versão, diz. "Napoleão tem quatro biografias, três a favor e uma contra", exemplifica.
O desembargador Sérgio Cavalieri Filho, da 2ª Câmara Cível do Rio, discorda. Em seu voto que autorizou a liminar para recolher o livro, ele diz que "quando direitos constitucionais são colocados em confronto, um condiciona o outro". No seu voto, Cavalieri reconhece que "é certo que a Constituição Federal garante a liberdade de expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independente de censura ou licença (artigo 5, inciso 9)".
No entanto, afirma ele, o limite para esta liberdade é encontrado no próprio texto constitucional (artigo 5, inciso 10), que garante "a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas."
Os problemas do livro, para Cavalieri, começam na capa, que retrata "um homem deprimido e desolado, quase a figura de um farrapo humano".
Além da capa, o livro "vai despindo o mito, tranformando-o em profissional derrotado, pai irresponsável, marido infiel e ébrio inveterado", diz ele.
O advogado da Companhia das Letras, Manuel Alceu Affonso Ferreira diz que uma pessoa pública, como Garrincha, "tem uma privacidade bem menor do que um cidadão comum" e afirma que "ele teve uma biografia diária em vida, feita por jornais e revistas".
Luís Salles Nobre, advogado das filhas de Garrincha, considera que o livro é ofensivo à memória do jogador.
Ele diz que depois que foi decidido o recolhimento através de liminar, o livro está "vendendo mais ainda", mas confia que "na hora de sangrar no bolso eles vão sentir."
O embate sobre a invasão da intimidade de Garrincha é apenas o primeiro passo do processo. Salles Nobre já prepara o próximo movimento. Uma ação contra a editora por uso indevido da imagem.
O advogado contou 130 fotos do jogador no livro e vê motivo para compensação financeira para as filhas do jogador, que já defendeu em dois outros processos, desde 1987.
Salles Nobre pede entre R$ 2 milhões e R$ 5 milhões de ressarcimento à Globo Vídeo pelo vídeo "Isto é Pelé" (onde Garrincha aparece 16 minutos) e cerca de R$ 1 milhão à Editora Abril por uso da imagem em álbum de figurinhas.
Affonso Ferreira, advogado da Companhia das Letras, também não vê procedência nesta futura ação. "As fotos usadas são já divulgadas anteriormente e estão sendo usadas com autorização dos detentores do direito autoral da foto", disse.

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sobre a biografia de Garrincha à pág. 5-9

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