São Paulo, quinta-feira, 30 de novembro de 1995
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Censura prévia é sempre abuso do poder

LUÍS FRANCISCO CARVALHO Fº
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Erramos: 01/12/95
No artigo "Censura prévia é sempre abuso de poder", publicado à pág. 5-9 ( Ilustrada) de ontem, onde se lê "...quanto mais coça, mais copa", leia-se "...quanto mais coça, mais coça".
A justiça do Rio suspendeu a circulação do livro de Ruy Castro, "A Estrela Solitária". Decretou a busca e apreensão dos exemplares disponíveis no mercado. A decisão ameaça todo um gênero literário em franco desenvolvimento no país: a biografia.
Vincular a circulação de uma obra ao pagamento de uma indenização financeira é um despropósito que a Constituição não autoriza. A censura prévia não está entre os instrumentos oferecidos para a reparação decorrente dos atentados à imagem, à honra, à privacidade.
Pelo contrário, é juridicamente inadmissível. É expressamente proibida qualquer censura de natureza política, ideológica e artística, ainda que exercida por juízes e a pedido de alguém ameaçado de um dano. É sempre abuso de poder. É assim, porque não há como fixar critérios objetivos para a sua aplicação. A única hipótese constitucional de controle da liberdade de imprensa é durante a vigência do Estado de Sítio.
Hoje é o livro sobre Garrincha, amanhã será outro livro e a insatisfação de herdeiros de outra personalidade que teve algo de especial na vida e que, para um autor ou uma editora, merece ser contado.
Fixado o princípio, por que não estendê-lo a outros gêneros? A ficção e a história, por exemplo, por serem impregnadas de elementos biográficos, não estariam livres.
Depois, há os jornais, que de certa maneira constroem as personalidades e fornecem matéria-prima para o trabalho dos biógrafos. São ainda mais demolidores do que os livros, com edições mais apressadas, mais baratas, mais numerosas e mais bem distribuídas.
Não é um caso isolado. Censura é como coceira, quanto mais coça, mais copa... Nos últimos tempos, a Justiça proibiu o livro de Guilherme de Pádua, preso pelo assassinato de Daniela Perez; proibiu uma canção da banda "Paralamas do Sucesso", considerada ofensiva ao Congresso Nacional; proibiu emissoras e jornais de publicarem reportagens envolvendo o nome de um ex-governador em escândalos administrativos. Quem garante que amanhã não proibirá críticas ao próprio Poder Judiciário?
As garantias individuais no Brasil podem ser resumidas ao direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. Os parágrafos do artigo 5º da Constituição de 88 estabelecem os meios de assegurá-las e as restrições consideradas essenciais.
Em relação ao direito à vida, há só uma abertura: pena de morte em caso de "guerra declarada". Já o direito à propriedade fica enfraquecido diante da desapropriação por utilidade pública ou interesse social. Quanto ao direito à segurança, por exemplo, o texto admite a violação do domicílio (durante o dia e por ordem judicial), mas assegura o princípio da reserva legal (não há crime sem lei anterior que o defina). Da mesma forma, busca-se um equilíbrio para a convivência da prisão, da liberdade de ir e vir e do habeas corpus.
Quando cuida da liberdade de manifestação do pensamento, a Constituição também estabelece princípios norteadores. Proíbe o anonimato, para que haja um responsável pela divulgação, assegura o direito de resposta e declara a inviolabilidade da honra, da intimidade, da vida privada e da imagem das pessoas, com a indenização pelo dano moral. Em outras palavras, tornar público é livre, mas cada um responde pelo teor daquilo que divulgar.
Episódio como o da busca e apreensão do livro de Ruy Castro, além de significar mais um precedente contra o direito subjetivo de acesso à cultura e à informação, serve também para lembrar que não só de miséria econômica se faz o Terceiro Mundo.

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