São Paulo, quinta-feira, 30 de novembro de 1995
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Tio Dave é nomeado Lord em Oxford

DAVID DREW ZINGG
EM OXFORD

Oxford, como você poderia ter adivinhado sem exaurir metade da sua capacidade cerebral inteira, é a sede de uma das maiores editoras do mundo, a Oxford University Press.
Uma das muitas razões que me fez vir a esta antiga cidade não era a alta incidência demográfica de jovens e lindas estudantes universitárias, nem a presença da igualmente estimulante Jovem Estudante de Filosofia em cujo apartamento estou hospedado.
Uma das principais razões que me trouxe aqui foi a possibilidade de adquirir um exemplar de "The Oxford Dictionary of Humorous Quotations" (Dicionário Oxford de Citações Jocosas), que, curiosamente, ainda não chegou à Livraria Cultura, em Sampalândia.
E por falar nisso, qual é o problema dos importadores brasileiros de livros, hein? Hein?
Quando tio Dave se abstém de comer por tempo suficiente para poder comprar uma passagem para o mundo externo, ele compra um livro e o envia para casa pelo correio. O livro costuma chegar em cerca de uma semana. Quando estou no Brasil, telefono para uma livraria em Nova York ou Londres e pronto -o livro chega a minha casa dez dias depois.
Mas quando, devido a alguma falha no meu sistema de processamento lógico central, permito que uma famosa livraria de São Paulo encomende o livro para mim, ele às vezes leva até seis meses para chegar -quando chega.
Isso é simplesmente a ineficiência brasileira de costume? Será que minha paranóia gringa aguçada está operando em modo intensivo? Ou será apenas um artifício esperto empregado pela Livraria Cultura para promover a expansão da indústria de livros em língua portuguesa?
Seja como for, voltemos ao "Dicionário de Citações Jocosas".
Trata-se de uma coletânea -543 páginas- de citações que alçaram vôo. São mais de 5.000 citações, que abrangem desde Shakespeare até Monty Python, de Jane Austin à Patrick Campbell, que disse certa vez, referindo-se à homossexualidade: "Não importa o que você faz no quarto, desde que não o fizer na rua e assustar os cavalos".
O livro foi editado pelo escritor, satirista e humorista da BBC Ned Sherrin, um cavalheiro que possui certo pendor filosófico.
Para proteger-se contra discussões mesquinhas sobre o que é ou não é jocoso, aos olhos do leitor, o autor cita Wittgenstein, que afirmou que sua ambição de escrever uma obra de filosofia feita inteiramente e apenas de piadas foi frustrada quando ele compreendeu que não tinha senso de humor.
Vejamos, então, o que os ingleses acham engraçado:
- "Quando um militar se aproxima, o mundo tranca suas colheres (de prata) e manda suas mulheres para dentro. Bernard Shaw.
- Somerset Maugham, desculpando-se por sair cedo de um jantar com Lady Tree: "Preciso cuidar de minha juventude".
"Da próxima vez traga-a junto. Adoramos esse tipo de gente". Lady Tree.
- Um poema de uma linha só intitulado "Seios":
"Alguma coisa se interpõe entre nós". Donald Hall.
- "Vou ler uma parte até o fim". Sam Goldwyn (falando de um livro).
- "Televisão? A palavra é metade grega, metade latina. Nada de bom pode sair disso". C.P. Scott.
- "Nenhum governo deveria estar livre de censores; e quando a imprensa é livre, nenhum governo jamais o estará". Thomas Jefferson falando a George Washington.
- "Se os homens tivessem bebês, nunca teriam mais do que um cada". Diana, Princesa de Gales.
- "A masturbação é a televisão do homem pensante". Christopher Hampton.
- "Lamento dizer que nós do FBI não temos poderes para intervir em casos de intimidade oral-genital a não ser que eles de alguma maneira constituam um empecilho ao comércio interestadual". J. Edgar Hoover.
- "Em Oxford, depois de Dunquerque, a moda era ser homossexual. Parece que foi apenas depois da Guerra, com o retorno dos militares, que a heterossexualidade passou a ser plenamente tolerada". John Mortimer.
Lord Dave
Não sei bem como a moçada da Redação desse grande jornal vai receber a notícia, mas é bem possível que eu retorne ao Brasil em posse de um novo título. Vocês poderão formar uma fila à esquerda para fazer uma reverência diante do recém-nomeado Lord David of Diss (uma mansão senhorial situada em Norfolk).
Diss é um dos muitos títulos de nobreza senhorial que estarão à venda em Londres daqui a uma semana mais ou menos. Pelo preço mínimo de cinco mil libras esterlinas (cerca de US$ 7.500) você pode adquirir o direito de se chamar Lord, a tempo de ser chamado assim nas festas de fim de ano.
Não se confunda título de nobreza senhorial com título de nobreza dos pares do reino. Ele não dá -repito, não dá- direito a uma vaga na Câmara dos Lordes.
O que teu título de nobreza senhorial te dá é o direito de ser conhecido como "Lord of the Manor of Diss", ou "Lord of Diss". Você também ganha de lambuja alguns direitos antigos e simpáticos: pode promover feiras de rua e cobrar pedágio em algumas estradinhas de terra que ainda não pertençam à Rainha.
O mais importante é que, tendo adquirido seu título, você tem direito a ser convidado a uma lista infinita de festas no Brasil. Os US$ 7.500 que você pagou devem ser recuperados em pouco tempo, sob a forma do caviar e da champanhe que você vai poder devorar aí em Sambalândia.
Um grupo restrito de nossas famílias dos extratos superiores, extremamente rarefeitos, adquiriu seus títulos de segunda mão, do Vaticano. Elas os utilizaram para impressionar a gentinha comum como você e eu.
Parece que esse truque esperto funciona bastante bem. O mínimo que espero, quando retornar como Lord Dave, é que algum espaço público seja rebatizado com meu nome. Por mim pode ser a rua onde moro (que passaria a se chamar rua Sua Alteza David de Diss) ou então algum local mais amplo.
Que tal rebatizar o parque Ibirapuera, por exemplo? O nome atual é meio difícil de ser pronunciado por turistas estrangeiros. Parque Lord Dave de Diss soa bem cool, você não acha?
Transformação
Mesmo a antiga e honrada Oxfordshire passa por constantes transformações. O centro deste minúsculo povoado fundado 900 anos atrás está tão lotado de estudantes, residentes e turistas que o mundo real já começa a fazer sentir seu inevitável impacto por aqui.
Outra noite a polícia local apreendeu cerca de US$ 17.500 em heroína em duas casas em Oxford. Não é boa notícia, especialmente quando chega logo após a publicação de uma pesquisa preocupante que revela o aumento do uso de LSD e Ecstasy entre adolescentes.
Nos bons e velhos tempos, eles usavam ópio. Não era ilegal e apenas elevava o usuário a um nível contemplativo silencioso, soporífero, meio zen. O ópio também ajuda o usuário a reduzir seu peso.

Tradução de Clara Allain

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