São Paulo, domingo, 3 de dezembro de 1995
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Assentamentos fracassam e não resolvem questão fundiária do país

GEORGE ALONSO
DA REPORTAGEM LOCAL

A política de assentamentos de famílias, que vem sendo posta em prática no país, não é solução para o problema fundiário e o desenvolvimento do campo. É o que afirmam desde defensores da reforma agrária a proprietários rurais, passando por economistas, agrônomos e técnicos do setor.
O próprio Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), responsável pela ação do governo na área, avalia que apenas 10% dos cerca de 1.100 assentamentos existentes no país podem ser considerados bem-sucedidos.
Vários problemas se entrelaçam e concorrem para o fracasso: a distribuição de terras de má qualidade, a venda de lotes por parte dos assentados, a baixa produtividade do cultivo, a falta de assistência técnica e a inexistência de uma política global de reforma agrária.
Não há estatísticas precisas sobre a venda de lotes. Estudo de 1992 da FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura) estima em 22% as famílias que desistem da terra -percentual que pode estar subestimado, especialmente porque a venda da terra é feita de forma irregular.
"A idéia dos assentamentos, como está, é obsoleta. É como dar um carro a quem nunca dirigiu", diz Antonio de Salvo, 63, presidente da Confederação Nacional da Agricultura. Para ele, os sem-terra, também sem recursos financeiros, acabam quase sempre "dependentes do governo".
O economista Lauro de Freitas, 39, da Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro, concorda com essa avaliação.
"O Estado está na penúria, como vai sustentar os assentamentos?", pergunta.
Para o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), esse é argumento para que nada mude: "O Estado banca os usineiros, os caloteiros do Banco do Brasil", diz Egidio Brunetto, 39, da direção nacional.
O MST critica a política pulverizada de assentamentos. Deseja uma alteração profunda da estrutura fundiária, reduzindo a concentração de terras nas mãos de poucos proprietários.
Números do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) revelam que, em 1980, 10% das propriedades rurais com mais de 100 hectares ocupavam quase 80% das áreas rurais do país.
Esse grupo captava 61% do crédito rural e respondia por menos da metade da produção (49%). A situação pouco mudou desde 1980.
Os empresários rurais contestam o MST. Dizem que a tendência, com a globalização da economia, é de uma agricultura de grandes extensões e alta tecnologia, capaz de competir nos mercados.
"Até certo ponto, isso é verdade. Houve uma industrialização do campo. A terra hoje é apenas 20% do custo da produção agrária", diz o economista Roberto Campos, 78, um dos pais do Estatuto da Terra, criado há 30 anos, mas fracassado por falta de implantação.
O economista lembra que países capitalistas fizeram reformas no campo com sucesso, como Coréia do Sul e Japão. Mas eram países com escassez de terras.
No caso brasileiro, acredita Campos, a melhor proposta para reorganizar o perfil fundiário do país é tributar terras improdutivas.
O imposto teria de ser progressivo e adequado a cada região. "O que é latifúndio no Sul é minifúndio no Norte." A desapropriação, diz ele, seria o último recurso para aliviar tensões localizadas.
Campos defende, além da taxação, uma reforma agrária restrita, que só atingiria áreas públicas, com seleção rigorosa dos assentados. "O que está sendo feito hoje é precário." Segundo ele, "só 20% dos sem-terra" que estão acampados têm vocação agrícola, "têm o cheiro da terra".
Tito Ryff, 51, economista da FGV, diz que não se pode negar que há "uma demanda por terra". Mas para resolvê-la, acredita ele, "será preciso uma discussão mais técnica e menos ideológica. A discussão ideológica está superada".
Ryff afirma que a reforma agrária hoje "teria uma função mais social do que econômica". Ele lembra que do ponto de vista econômico a agricultura brasileira cresceu a uma média de 4,5% ao ano entre 1945 e 1975.
Já o dirigente da Abra (Associação Brasileira de Reforma Agrária), Luís Carlos Guedes Pinto, 53, defende uma reforma ampla. A Abra existe há 27 anos e reúne intelectuais de esquerda que defendem a reforma no campo.
"O Brasil nunca teve reforma agrária e o que está sendo feito agora não é reforma agrária", diz Guedes Pinto.
Ele estima que se o governo fizesse um grande plano de assentamento, para atender um milhão de famílias, apenas 3% das terras seriam abrangidas.
"O Brasil tem 850 milhões de hectares. Há hoje 180 milhões de hectares aproveitáveis, não-usadas. São três Franças", diz ele.
Mas Guedes Pinto admite que as propriedades têm aumentado de tamanho no mundo desenvolvido.
"Mas nos EUA a colonização do Oeste determinou o tamanho máximo da propriedade em 67 hectares. E, hoje, ocorre lá a terceirização nas plantações", diz.
Roberto Campos e estudiosos do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) acreditam que o governo deveria justamente incentivar essa "terceirização", ou seja, os arrendamentos.
O Ibre afirma que dos 500 milhões de hectares ocupados por 5,8 milhões de estabelecimentos agrícolas só 9,8% eram arrendados no ano de 1985 (ano do último censo agropecuário).
Os arrendamentos e as parcerias aumentariam a absorção de mão-de-obra no campo e, em certos casos, garantiriam renda maior do que aquela extraída pela posse de um pedaço de terra.
O MST discorda e usa como argumento o relatório da FAO sobre a vida nos assentamentos.
Segundo a FAO, depois de dividida, a terra jamais voltaria a ser um latifúndio, e a vida dos assentados em geral melhora, mesmo nos casos de produtividade baixa.
"Muitos assentamentos fracassaram porque as terras eram ruins", admite o economista Ryff.
As terras boas já estão ocupadas e produzindo, alega o ruralista Salvo. "Há três milhões de pequenos proprietários rurais", diz.

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