São Paulo, domingo, 3 de dezembro de 1995
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Bar de tropicalistas virou estacionamento

LÚCIA MARTINS
DA REPORTAGEM LOCAL

A vida cultural da cidade de São Paulo migrou do centro para a zona oeste e a região da Paulista nos últimos 30 anos. Esse é o resultado do levantamento feito pela Folha com pelo menos dez integrantes do Tropicalismo.
Em 68, os cinemas, bares e restaurantes do centro eram frequentados por intelectuais e músicos.
O cine Ipiranga, hoje um cinema sujo e descuidado, era o cinema que Caetano frequentava. Foi lá que em 68 ele foi barrado porque estava usando sandálias franciscanas. O cinema exigia que o frequentador estivesse de sapatos.
"Foi uma das poucas vezes que vi o Caetano nervoso. Ele discutiu com o moço do cinema, mas não teve jeito. Tivemos que voltar para casa", lembra Tom Zé, 59, que na época visitava Caetano todos os dias no nº 43 da avenida São Luís.
A outra vez que Tom Zé afirma ter visto Caetano brigar foi no restaurante francês Patachou, na rua Augusta, onde hoje funciona um apart-hotel. "Não me lembro bem, mas foi uma discussão com Fernando Lobo (pai de Edu Lobo) por causa de um disco."
O restaurante, que ficava em frente a um dos teatros da TV Record, era o local onde todos se reuniam para jantar.
Os outros encontros para conversar ou ensaiar aconteciam no Beco -um bar na Bela Cintra, que pegou fogo e hoje é uma garagem- e no Danúbio, um hotel próximo a outro teatro da Record, na av. Brigadeiro Luiz Antonio. A última cerveja era sempre tomada no bar mais perto. Um bom exemplo é o bar Redondo, que ficava em frente ao teatro de Arena. Outro bar frequentado era o Barba Azul, hoje um estacionamento.
A esquina da São João com a Ipiranga era onde Caetano e os baianos passeavam à noite. Hoje, a esquina é a quinta no ranking de atropelamentos da cidade. É também uma das mais violentas. Lá ocorrem quatro furtos por hora.
Havia também os encontros fora do circuito central. A casa do regente Rogério Duprat, na Vila Olímpia (zona sul), e de Gil, na Cidade Dutra (no extremo da zona sul), eram sempre visitadas.
"Fazíamos muitas reuniões lá em casa. Os vizinhos sempre reclamavam do barulho. Hoje a casa virou um prédio", diz Lila, 53, mulher do regente Rogério Duprat.
O primeiro endereço de Gilberto Gil em São Paulo foi na Cidade Dutra. Ele veio para a cidade trabalhar na Gessy Lever e acabou se mudando para o bairro por ser mais barato. "Trabalhava no centro. Andava cerca de uma hora de ônibus para ir ao trabalho. Lembro que às vezes dormia e acordava com a cabeça encostada em alguém", conta Gil.
Tom Zé e Caetano sempre iam visitá-lo. "Uma vez voltando da casa de Gil de ônibus, Caetano olhou para os prédios e me disse: 'Parece uma muralha montada para não nos deixar entrar"', lembra Tom Zé.

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