São Paulo, domingo, 3 de dezembro de 1995
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Banco Central: independência ou irresponsabilidade?

MARIA DA CONCEIÇÃO TAVARES

A forma que está tomando a nossa crise bancária é de inquestionável responsabilidade do Banco Central e da política monetária empreendida após o Plano Real.
Todos sabiam que a queda da inflação e a política monetária extremamente apertada, nos meses que se seguiram ao plano, iam contribuir ativamente para a situação em que se encontra a maior parte dos bancos de varejo.
No entanto, as autoridades monetárias não tomaram providências em tempo para "sanear" o sistema financeiro, e nem sequer exerceram uma fiscalização rigorosa de sua situação patrimonial e dos seus balanços fictícios.
Mas o que mais preocupa a opinião pública e o próprio Congresso, é a absoluta falta de transparência nas operações já realizadas, inclusive a participação (seguramente não-voluntária) do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal, além da impossibilidade de avaliação objetiva dos custos e dos riscos envolvidos.
Durante quase todo o mês de novembro fomos sufocados por uma avalanche de medidas destinadas a reestruturar o sistema financeiros nacional, sob forma de medidas provisórias, resoluções e circulares do Banco Central.
As últimas destinavam-se a cobrir uma transação, que ficará na memória do sistema, entre o Banco Nacional e o Unibanco, com o apoio do Banco Central, atuando com uma "independência" que certamente não é o que está no espírito da Constituição, nem o que deseja o Congresso.
Se os problemas do Nacional eram, de fato, apenas de iliquidez, e não de solvência, como tem sido dito, poderiam ter sido superados apenas com a ajuda normal do Banco Central.
Comenta-se no "mercado" que o Nacional teria se precipitado, tendo procurado concorrentes e aberto suas contas para um eventual negócio, o que teria provocado a reação dos mesmos por meio do interbancário e uma imediata "desvalorização" de seus ativos.
Curiosa, contudo, foi a pressão exercida pelo governo, na última semana antes da operação de venda, exigindo uma definição por parte dos envolvidos, o que levou a CVM a suspender negociações em Bolsa de ações dos dois bancos e à cobrança formal de esclarecimentos sobre o possível negócio.
Num final de semana, como de costume, foi anunciada a compra pelo Unibanco da parte saudável do Nacional e promulgada, "a posteriori", a MP que sanciona a operação, garantindo maiores poderes de intervenção ao BC, inclusive para promover transferência de controle e reorganização de participações acionárias.
Essa sucessão de fatos e os custos efetivos que deverão ser arcados pelo BC estão sendo questionados pelo Congresso, sem nenhuma resposta. Indaga-se, até mesmo, se um "socorro" de liquidez, por parte do Banco Central, superaria os custos em que de fato incorrerão as autoridades monetárias. Suspeita-se que tenha sido adotada, como veiculado pela imprensa, uma "solução de mercado", mas com recursos públicos.
O Unibanco teria pago apenas R$ 1 bilhão pela parte do negócio que lhe coube, restando ao Nacional um rombo que oscila entre R$ 6 bilhões e R$ 10 bilhões, segundo cálculos do economista Joe Yoshino, da FEA/USP (decorrente de R$ 4 bilhões de empréstimos ao Nacional no interbancário, restando incorporar os créditos em liquidação) e cujo ônus final, para o Banco Central, o Banco do Brasil e a Caixa Econômica, é difícil de estimar.
Além dos recursos a juros subsidiados, que deverá repassar para a reestruturação do Unibanco, o pagamento ao BC, pelo Nacional, com títulos públicos pelo seu valor de face, imporá custos adicionais.
Antes mesmo dessa operação, o BC já vinha apresentando prejuízos, como os R$ 2,3 bilhões registrados em outubro, que possivelmente se devem a operações como as do Econômico, e que naturalmente tentará deduzir da conta de remuneração das disponibilidades de caixa do Tesouro Nacional.
A irresponsabilidade do BC torna-se maior, porém, a partir de agora, porque a última medida provisória permite ao Banco Central adotar uma série de medidas complementares, que vão desde a alteração do conceito de crédito de liquidação duvidosa (alterando tanto o critério de avaliação patrimonial das instituições quanto a base de cálculo para o incentivo fiscal concedido pelo Proer) até maiores requisitos para patrimônio líquido exigido para o funcionamento de novas instituições financeiras, excluindo, contudo, as que resultarem das reorganizações decorrentes do programa.
Somam-se, ainda, os novos instrumentos de intervenção preventiva e punitiva do BC, que passa a ter poderes amplos para administrar caso a caso, dando tratamentos privilegiados e impondo punições a partir de uma avaliação unilateral, sem ter de prestar contas a ninguém.
O que mais espanta em todos esses episódios, além do tardio das providências, é a absoluta intransparência das operações, o volume gigantesco de recursos envolvidos e a completa irresponsabilidade do Ministério da Fazenda e do Banco Central ante os demais poderes da República, em particular o Congresso Nacional.
Na semana passada, em sessão conjunta da Câmara e do Senado (que deveria ser secreta e foi propositalmente aberta, para poder invocar o famigerado "sigilo bancário"), o ministro da Fazenda e o presidente do Banco Central não prestaram qualquer tipo de esclarecimento relevante aos deputados e senadores da comissão mista.
Assim, continuamos como dantes no quartel de Abrantes: "Quem sabe não fala e quem fala não sabe". Entre os que sabem estão alguns privilegiados do mercado e as autoridades monetárias da República. Estas últimas devem explicações ao Congresso Nacional, como em todo o mundo civilizado, quando ocorre uma "crise bancária".
Mas, neste nosso pequeno mundo, tudo continua sendo feito em sigilo, com medidas provisórias, que podem ser modificadas a qualquer instante, ao sabor da crise e dos interesses particulares.
Já é tempo de o Congresso readquirir algum poder de fiscalização e controle sobre as ações do Executivo, em particular sobre o BC, e não aceitar ser atropelado por sucessivas medidas provisórias do Executivo, que não passam de instrumentos de arbítrio injustificáveis numa democracia.

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