São Paulo, domingo, 3 de dezembro de 1995
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Abertura não desindustrializou o Brasil

GILSON SCHWARTZ
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Foi na sexta-feira o 2º Encontro da Sociedade Brasileira de Estudos sobre Empresas Transnacionais e Globalização Econômica (Sobeet), no auditório da Fiesp, quando foi lançado o livro "O Brasil e a Economia Global" (Ed. Campus). São 13 capítulos, o primeiro é um inédito do presidente FHC.
Um dos ensaios, por Ricardo Bielschowsky e Giovanni Stumpo, trata da internacionalização da indústria brasileira.
Primeiro, mostra que há uma aproximação entre a indústria brasileira e os padrões dos principais parques industriais do mundo. O texto mostra ainda, em parte como decorrência dessa primeira constatação, que a abertura no Brasil não provocou desindustrialização.
O tema é ainda mais importante levando-se em conta que, num seminário recente, o diretor do BC, Gustavo Franco, afirmou que a grande âncora da estabilização brasileira não é a taxa de câmbio. Seria a capacidade dos setores produtivos aumentarem sua produtividade e atingirem padrões de Primeiro Mundo sem depender de desvalorizações cambiais regulares.
Curiosamente, no seminário da Sobeet, a atual política cambial foi citada por pelo menos um presidente de multinacional como impedimento maior às decisões de investimento da matriz.
Em resumo: há um fato, a abertura que não desindustrializa, e uma polêmica, sobre os limites de utilização da âncora cambial.
O fato
Vamos começar pelo fato. Bielschowsky e Stumpo mostram que até 1994 a abertura comercial não havia provocado grandes variações na estrutura produtiva brasileira. Eles sublinham ainda ser esta uma das características que diferenciam o caso brasileiro de outras experiências de abertura na América Latina. A abertura gerou aumentos de produtividade e, detalhe importante, sem provocar déficits comerciais até o final de 1994.
Segurem-se nas cadeiras: a intensidade da internacionalização brasileira já é maior do que a norte-americana e a japonesa, segundo esses pesquisadores. Isso reflete o crescimento sustentado, nos últimos 15 anos, tanto do coeficiente importado quanto do exportado na economia brasileira. O coeficiente total (a soma dos dois) passou de 7,7% em 1980 para 16,7% em 1994, contra 5,4% no Japão e 15,9% nos EUA.
Fortemente internacionalizada, a base industrial brasileira conseguiu responder, seja ao imperativo dos megasuperávits comerciais nos anos 80, seja ao desafio de aumentar a produtividade em 40% depois de uma década de estagnação dos investimentos produtivos.
O problema, o limite a partir do qual se descortina a polêmica, é sublinhado pelos próprios autores: "a conclusão de todos os analistas tem sido de que o impacto da racionalização, em termos de elevação da produtividade, já deve estar-se esgotando".
A polêmica
Uma tese parece consensual: os ganhos de produtividade induzidos pela abertura deram condições para a implementação de uma âncora cambial. Pautada por padrões globais, a indústria brasileira não apenas aguentou como deu as bases para um plano de estabilização centrado na valorização cambial.
Outra tese é mais controvertida: seria possível continuar valorizando o câmbio, expondo portanto a indústria à concorrência dos importados, por mais tempo, com mais ganhos de produtividade.
O decisivo no debate é saber quais as bases desse aumento desejado de produtividade.
Produtividade é produzir mais por trabalhador empregado. Há uma forma perversa de fazer isso: aumentando o desemprego. Se esse é o caminho, a estabilização econômica (leia-se, da taxa de câmbio) dependerá cada vez mais de manter ou ampliar a produção nacional, reduzindo o nível de emprego. Ou seja, a estabilidade viria acompanhada de mais concentração de renda.
O outro caminho: produzir mais aumentando a capacidade produtiva, ou seja, fazendo investimentos pesados, inaugurando novas fábricas, empregando mais gente para produzir muito mais.
Aí volta a dúvida do presidente da multinacional que eu ouvi na sexta-feira: ele tem medo de investir enquanto a taxa de câmbio estiver artificialmente valorizada.
Eis aí uma boa questão para reavaliar, agora que se aproxima o aniversário da crise mexicana.

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