São Paulo, domingo, 3 de dezembro de 1995
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Scherer enfrenta Borges com gravador

RODRIGO BERTOLOTTO
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

Os dois maiores nadadores do Brasil se encontraram na noite de sexta-feira para trocar impressões sobre o esporte. A conversa virou entrevista, com muito bom-humor.
Gustavo Borges e Fernando Scherer se enfrentam hoje nos 50 m livre, para depois nadarem na mesma raia no revezamento 4x100 m livre, no 2º Mundial de Natação em piscina curta, no Rio.
Os dois, aliás, criticaram a estrutura armada na areia da praia de Copacabana, que custou US$ 700 mil a organização do evento.
Para eles, o bloco de onde saltam os atletas, iniciando as provas, não está muito fixo."O bloco parece que está tremendo", disse Scherer.
A Folha emprestou um gravador aos dois melhores nadadores brasileiros da atualidade e eles fizeram uma entrevista no hotel em que estão hospedados.
Investido do papel de jornalista, o catarinense Fernando Scherer, 21, comandou as perguntas.
O paulista Gustavo Borges, 23, dividiu sua atenção à entrevista com as revistas de divulgação e as chamadas telefônicas ao seu quarto, local da conversa.
Além das críticas à piscina do Mundial, os dois falam sobre o doping das chinesas ("A China é uma fábrica de química", diz Scherer), da natação feminina do Brasil ("Acho que elas têm que nadar um pouquinho melhor", afirma Borges) e deles próprios ("O reflexo de saída nosso é bom", conta Scherer).
Scherer começa a entrevista fazendo um comentário sobre o tratamento dado pela imprensa à natação.

Fernando Scherer - Alguns jogadores de futebol quando fazem limpeza de pele saem na capa de alguns jornais, e nós, atletas que conseguimos medalha de ouro em competições internacionais, não saímos na capa.
Tem alguma pergunta para fazer, Gustavo?
Gustavo Borges - Eu tenho uma foto sua em que você está com os dois braços para o alto. Você estava rezando ou...
Scherer - Estava chamando a galera, como o Tande (atacante da seleção brasileira) faz no vôlei. Tu que está rezando aí, com cara de espantado.
Borges - Eu estou bem branco.
Scherer - Eu devo ter feito 47s80 no treino da manhã (risos).
Borges - E eu estava preocupado, né (virando a página da revista)? Nesta aqui eu estava treinando na Flórida.
Scherer - Aí você estava mais pretinho. Quais as meninas que têm chance na natação?
Borges - A Gabrielle Rose está despontando e já está classificada para a Olimpíada. Espero que as outras entrem no esquema. Houve vários recordes sul-americanos, mas acho que elas têm que nadar um pouquinho melhor para garantir a vaga em Atlanta.
Scherer - O que você acha do caso do doping das chinesas?
Borges - (concentrado na foto do russo Alexander Popov, rival nos 50 e 100 m, que, contundido, não veio ao Brasil) Qual foi a pergunta?
Scherer - O que você acha do doping das chinesas, seu cara-de-pau?
Borges - Ah, tem que ser feita alguma coisa. Os Estados Unidos estavam com uma proposta que se encontrassem quatro atletas dopados, o país inteiro não poderia competir naquele esporte por dois anos (a medida ainda não foi aprovada pela Federação Internacional de Natação).
Scherer - Tá bom. Eu não uso doping, você não usa. Aí pegam quatro que estão começando que usam e a gente não pode competir mais.
Borges - Esse é o grande problema.
Scherer - Esse é o grande erro. Teriam que ser punidos só os quatro que usam.
Borges - Mas, no caso da China, eles estão com uma fábrica de atletas. Eles têm o primeiro lugar, o segundo, o quinto.
Scherer - A China é uma fábrica de química (silêncio). Mas o que você acha da nossa revelação da natação, Luiz Lima? Ele está despontando para a Olimpíada, onde vai nadar na piscina longa. Ele mesmo diz que não gosta das viradas na curta.
Borges - Ele nadou bem hoje (anteontem). Fez 3min48s31, pegou o quinto lugar, uma excelente classificação.
Scherer - 3min48s?
Borges - Você nem sabia.
Scherer - Eu estava dormindo e não apareceu na televisão.
Borges - Espera aí (pega a programação do Mundial).
Scherer - Tem treinado muito a virada?
Borges - Tenho. Sempre tem uns detalhezinhos para melhorar.
Scherer - E a sua saída melhorou?
Borges - Melhorou. Neste ano, minha saída estava boa.
Scherer - Notei. Me ganhaste em todas as provas na saída.
Borges - Minha saída sempre foi sólida, vamos dizer. Mas nesse bloco (da arena do Mundial), eu estou com problema de sair com um pé atrás. Você não sentiu a mesma coisa?
Scherer - Eu não estou saindo com um pé atrás aqui. Eu estou saindo com os dois pés à frente.
Borges - Eu estava testando a saída e o bloco estava meio bambo, não sei.
Scherer - Tu queria sair com o pé atrás nos 100 e 50 m?
Borges - É.
Scherer - Eu vou sair com os dois pés na frente porque não deu para encaixar o pé atrás e o bloco parece que está tremendo.
Borges - É. Não está bom.
Scherer - Ainda mais para mim, que treino que só treino saída com um pé atrás e vou ter que encaixar os dois pés na frente. O que mais vai influenciar vai ser a concentração na hora da saída, porque o reflexo nosso é bom. Eu acho que nós estamos um pouco cansados e queremos agradecer a entrevista e que ajude a publicar nossos patrocinadores novamente, é o pedido de Gustavo Borges e Fernando Scherer. Vou me indo, bom descanso, mas não descanse muito, por favor.
Borges - Mas foi você quem descansou o dia inteiro, enquanto eu estava nadando o revezamento (4x200 m livre, no qual o Brasil ganhou a medalha de bronze).

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