São Paulo, domingo, 3 de dezembro de 1995
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As cidades sobre as ondas

GRAZIELA GUIDUGLI
FREE-LANCE PARA A FOLHA, DE MÔNACO

Especialistas de todo o mundo estiveram reunidos entre os últimos dias 20 e 23 durante o simpósio "Cidades Marinhas 95".
Realizado no Principado de Mônaco, o simpósio apresentou projetos de instalações "off-shore" e de ilhas artificiais e discutiu de que forma se poderão colonizar os oceanos.
Primeiro evento do gênero, o simpósio reuniu cientistas, arquitetos, geólogos e biólogos com idéias vanguardistas e, às vezes, conflitantes.
Muitos projetos apresentados lembram cenários de quadrinhos futuristas; outros, com motivações demográficas e econômicas sólidas, preferem arquiteturas inspiradas em modelos tradicionais.
A ocupação do espaço marítimo não é nova. O exemplo mais famoso é Veneza. O que está mudando é a tecnologia e os materiais utilizados, que se beneficiam de dezenas de anos de experimentação nas plataformas de petróleo.
Essas tecnologias fazem sonhar com ilhas artificiais auto-suficientes em meio ao oceano tropical.
Mas os custos e os riscos obrigarão a humanidade a continuar vivendo, por enquanto, próxima à terra firme: os principais projetos de comunidade urbana, a ser implantados nos próximos anos e no início do século 21, não se arriscam a mais de 80 metros de profundidade.
Aterros e pilares
O novo aeroporto internacional de Seul, que entrará em atividade no ano 2000, com capacidade inicial para 35 milhões de passageiros, vai substituir o atual aeroporto, que deverá atingir seu ponto de saturação em 1997.
Ele está sendo construído entre duas ilhas, e vai ocupar uma área de 5.617 hectares com uma profundidade média de cinco metros.
Em 2020, essa megaestrutura, que custará US$ 7,2 bilhões, poderá receber 100 milhões de passageiros e 7 milhões de toneladas de carga por ano.
Um sistema de pontes e túneis de trens e de veículos cobrirá, em 40 minutos, a distância de 50 quilômetros entre o aeroporto e Seul.
O Principado de Mônaco, no litoral sul da França, também apresenta motivações especiais importantes em razão da exiguidade do seu território (195 hectares) completamente urbanizado.
Nos anos 70, o principado construiu o bairro de Fontvieille, aterrando 23 hectares de mar em uma área com profundidade de até a 35 metros.
Sobre o aterro há quase 200 apartamentos em estilo provençal, 95 mil metros quadrados de área industrial e comercial, dois portos para iates, estádio poliesportivo, restaurantes e áreas verdes.
O novo projeto, apresentado pelo conselheiro técnico do Departamento de Obras Públicas do Principado, René Bouchet, prevê a construção de um bairro exclusivamente residencial, Fontvieille 2, em uma zona marítima cuja profundidade varia entre 50 e 80 metros.
As residências e pequenos prédios serão construídos sobre caixas de cimento flutuantes e "ligados" ao fundo marinho por pilares de cimento. O custo do metro quadrado previsto é de 30 mil francos franceses, ou US$ 6.102.
Sonho e realidade
Os trabalhos apresentados durante o simpósio "Cidade Marinha 95" não deixam dúvidas de que somente uma forte razão econômica justifica construir em alto-mar.
Os raros projetos que contemplaram cidades marinhas propriamente ditas, como o projeto de ilha artificial "Isula", do arquiteto Zoppini, ao largo de Mônaco, são, na verdade, sofisticados centros de lazer para 4.000 pessoas.
E as poucas construções viáveis realizadas em alto-mar são as plataformas de extração de petróleo, mas esses projetos estão longe de ser exemplos de urbanização.
O oceano é um ambiente hostil à ocupação humana, mas encerra riquezas que podem compensar um alto investimento financeiro.
Vários projetos recorrem à idéia de cidades marinhas como base autônoma para piscicultura em grande escala.
Essas estruturas deverão prever uma certa urbanização para abrigar a mão-de-obra necessária ao desenvolvimento dessa atividade econômica.
"Os resultados das prospecções de metais preciosos, localizados nas regiões abissais, já contam com importantes interessados", afirmou o geólogo S.D. Scott, do Departamento de Geologia da Universidade de Toronto (Canadá).
A zona de maior interesse se localiza, sobretudo, em Clarion-Clipperton, no Pacífico oriental, sudeste do Havaí, a 5.000 metros de profundidade, por causa dos nódulos de óxido de ferro-manganês contendo cerca de 2,4% de níquel, cobre e cobalto combinados.
Segundo Scott, a construção de cidades marinhas nessa área vai permitir a instalação permanente de técnicos especializados e de suas famílias.
O Instituto de Desenvolvimento e Pesquisa da Coréia já anunciou oficialmente que pretende começar a recuperar comercialmente os nódulos de manganês dentro de 18 anos.
A Agência de Mineração do Japão vai investir 10 bilhões de ienes (cerca de US$ 100 milhões) nos próximos dez anos, e a Companhia de Mineração Oceânica da China também anunciou projetos em relação ao manganês.

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