São Paulo, domingo, 3 de dezembro de 1995
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Daniel Boulud busca gostos da infância

CELSO FIORAVANTE
DA REDAÇÃO

Durante sete anos, entre 1986 e 1992, o chef Daniel Boulud, 40, manteve-se à frente do restaurante Le Cirque, um dos mais badalados de Nova York.
Saiu para inaugurar, em maio de 1993, seu próprio estabelecimento e colecionar desde então os maiores prêmios da gastronomia nos EUA.
Em 1993, o restaurante Daniel foi eleito o melhor novo restaurante pela revista "Esquire". No ano seguinte, foi considerado o melhor restaurante dos EUA pelo "The International Herald Tribune", o melhor do ano pela revista "Bon Appetit" e ganhou quatro estrelas do jornal "The New York Times". Boulud foi ainda considerado o melhor chef do país pela James Beard Foundation.
Acumulou prêmios, mas não perdeu a simplicidade e o entusiasmo ao falar de uma cozinha ligada aos sabores da infância e das vantagens de trabalhar em NY.

Folha - Como e quando você começou na vida gastronômica?
Daniel Boulud - Eu venho de Lyon. Comecei na cozinha quando tinha 14 anos, isto é, há 26 anos. Comecei com o chef Gérard Nandron, no restaurante Nandron, em Lyon, que tinha duas estrelas no guia "Michelin". Trabalhei ainda com Georges Blanc, Roger Vergé e Michel Guérard (todos três estrelas no "Michelin"). Em 1981, recebi um convite para trabalhar em Washington. No ano seguinte, me transferi para NY. Não pensava em ficar por aqui mais do que dois ou três anos, mas acabei me apaixonando pela cidade.
Folha - Mas o que levou a ser cozinheiro?
Daniel - Foi um pouco ao acaso. Eu tinha um amigo que frequentava muito os melhores restaurantes de Lyon, como os de Alain Chapel, Paul Bocuse, Pierre Orsi... Ele era um cirurgião. Me introduziu nos melhores lugares da cidade.
Você nunca pensou em voltar à França?
Daniel - Há três anos eu pensei em voltar a Lyon, para abrir ali um restaurante e conseguir, talvez, uma melhor qualidade de vida. Existia a impressão de que Lyon queria se tornar uma cidade internacional, mas foi muito difícil eu me estabelecer lá.
A gastronomia é sempre um problema na França. Guias como "Michelin" e "Gault Millau" não indicam o bom caminho. Eles estão mais interessados na pretensão que na intenção. Para se ter três estrelas é preciso ter tudo em mármore e prata.
Eles esquecem aquilo que se coloca no prato e se preocupam apenas com o preço dos detalhes. Para quem vai comer, isso custa dinheiro e para os cozinheiros, destrói o espírito regional de seu trabalho. Para conseguir duas estrelas, um chef deve perder todo o espírito familiar de seu restaurante, que poderia continuar muito bem com apenas uma.
Folha - Você sempre fala de uma cozinha espontânea. Existe um chef que lhe inspira, Fredy Girardet, por exemplo, que publicou um livro intitulado "A Cozinha Espontânea de Fredy Girardet"?
Daniel - Girardet é um ótimo exemplo. Ainda não fui ao seu restaurante este ano, mas é possível sentir muito bem em sua cozinha que não se trata sempre de um trabalho cerebral, mas de um esforço natural.
Existem outros chefs, como Gaignare, que realizam um trabalho tão cerebral que parece não ter sido realizado na cozinha. Não é possível criar do nada. É o ingrediente que leva à receita e não receita que leva ao ingrediente.
Hoje minha inspiração vem de da comunicação com meus chefs e do trabalho em equipe. Todos devem participar da evolução de uma casa, senão não vale a pena ser um chef. Não seguir isso é limitar as possibilidades de um restaurante.
Folha - Existe algum ingrediente de sua preferência?
Daniel - Gosto de todos os ingredientes, desde que sejam saborosos e bem preparados. Acredito que é muito importante trabalhar com produtos frescos. É por isso que, para encomendar peixe por exemplo, eu ligo ao meu fornecedor no Maine todos as noites. Ele tem um caminhão que parte para NY diariamente às 3h da manhã. O frescor dos peixes é extraordinário. Também ligo para a Califórnia, às 18h (15h deles), e encomendo champignons e legumes, que serão embarcados quatro horas depois e no dia seguinte pela manhã estarão aqui. O sistema norte-americano de entrega expressa é muito desenvolvido. Recebemos mercadorias de todo o país com uma rapidez impressionante.
Daniel - Acredito que quando se come alguma coisa, o maior prazer vem daqueles gostos que já conhecemos. Se conhecemos um gosto de alguma coisa e fechamos o olho, se reencontramos este gosto, teremos prazer.
É o gosto familiar que nos dá prazer. É possível comer um ótimo escalope de vitelo com chutney, mas nele você não encontra o gosto de sua infância. E isso é que é importante.
Folha - Que tipo de cliente frequenta seu restaurante?
Daniel - Meus clientes são pessoas que moram nas redondezas, nova-iorquinos. Na hora do almoço, a frequência é mais feminina. Também é frequentado por alguns homens de negócios, mas aqueles dos museus aqui perto ou de pequenos negócios na região. Mas este não é um restaurante para negócios. Não gosto dos restaurantes de negócios. São restaurantes sem alma, muito masculinos. Também recebo turistas, muitos brasileiros, principalmente à noite.
Folha - Por que a frequência de brasileiros?
Boulud - Tenho recebido brasileiros desde a inauguração. Eles gostam muito do restaurante e fazem muita publicidade boca a boca. Todos os sul-americanos fazem isso. Os brasileiros adoram comer mais tarde. Adoram jantar as 22h30 ou 23h e encontrar um restaurante que faça reserva.
No início, trabalhávamos durante seis dias no almoço, mas os brasileiros saíam muito tarde e isso era muito cansativo. Então decidi fechar todos os dias um pouco mais tarde e não trabalhar dois dias no almoço -sábado e segunda- para conservar minha clientela sul-americana.

DANIEL: 20 East 76th Street (entre 5th Av. e Madison Av.), tel. (212) 288-0033, fax (212) 737-0612, Nova York. Fecha aos domingos e nos almoços de sábado e segunda-feira.

Leia roteiros de restaurantes à pág. Especial A-4

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