São Paulo, domingo, 3 de dezembro de 1995
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Sobre a desconfiança

CLÓVIS ROSSI

Juro que não sabia dos resultados da pesquisa do Datafolha que se publica nesta edição ao escrever os textos de sexta-feira e de sábado, ambos mencionando a existência de alastrada desconfiança em relação ao governo (qualquer governo).
Pois o Datafolha põe números contundentes nessa constatação que era puramente empírica: para 85% dos paulistanos existe corrupção no governo Fernando Henrique Cardoso.
Ora, se a população se pautasse por critérios objetivos, jamais se chegaria a um resultado como esse. Repito o que escrevi sexta-feira: nem os mais duros críticos do presidente colocaram em dúvida, até agora, a sua honorabilidade pessoal.
Como é, então, que impressionantes 85% dizem que há corrupção no governo? O meu palpite é o de que a desconfiança da população em relação aos governantes tornou-se enraizada em decorrência dos antecedentes históricos. E não de uma história remota, mas muito recente. Afinal, o que se poderia esperar de uma sociedade à qual se vendeu um Fernando Collor como estadista para depois descobrir-se nele um vigarista? Só pode mesmo ficar de pé atrás e achar que por trás de cada autoridade se esconde um tremendo pilantra.
Tanto é assim que a suposição de corrupção é praticamente uniforme em todos os segmentos da população, ricos ou pobres, homens ou mulheres, semi-analfabetos ou com escolaridade superior (nestes, mais ainda). Tão disseminado que mesmo os simpatizantes do PSDB, o partido do presidente, acham, em maioria esmagadora (86%, um ponto até a mais do que no conjunto dos pesquisados), que há corrupção no governo de seu próprio partido.
Natural, por isso, que os pesquisados apóiem, em números caudalosos (88%), que o governo crie um serviço secreto de informações para investigar o próprio governo.
Por mais injusto que pareça, o surrealismo dessa situação sugere que FHC perdeu, ao se eleger, o direito de ser julgado apenas pelo seu próprio passado ou presente. Goste ou não, vai ter de resgatar, aos olhos do distinto público, as dívidas e dúvidas deixadas desde Deodoro da Fonseca.

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