São Paulo, domingo, 3 de dezembro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

créditos podres e gente

MARILENE FELINTO

Quem são esses caras? Alguém por acaso veio a público explicar ao público, tintim por tintim, o que são fusões de bancos? E créditos podres? Ninguém mostrou quem são esses caras que viviam do lema do "dinheiro irrestrito: eu invisto, ele especula, eles jogam", os banqueiros, tetas e crias da inflação.
É inacreditável esse governo Fernando Henrique: coisas gravíssimas acontecem no país e só se ouve o governo dizer que "está tudo transcorrendo em clima de tranquilidade". Uma quebradeira geral de bancos e "está tudo normal". Dizem que é para evitar "crises sistêmicas":
"Evitar crises sistêmicas é um bem público que justifica o uso de dinheiro público", disse um economista. Não se questiona nem se pune quem lançou o vírus da crise.
Eu mesma liguei para o extinto banco Nacional: na confusão da integração, não fizeram o débito automático da minha conta telefônica. Um bate-boca, uma explosão: "E fique sabendo que não quero ter conta nenhuma em banco fundido!"
"Fica a seu critério, senhora", a funcionária pontuou, em insuportável tom de aeromoça. Como responder à falsa polidez das secretárias eletrônicas, dos cartões de banco, dos cartões de crédito -à fachada de cortesia armada em tarjas magnéticas e senhas para roubar você?
Quem são esses caras? Olhos azuis, sobrenome estrangeiro, lá vem o presidente do banco não sei quê explicar na televisão a transparência da operação -como se ele fosse o bispo da paróquia, disposto a resolver um simples problema do cotidiano da comunidade. O rombo é de R$ 4 bilhões, a ser coberto com o chamado "dinheiro público", supostamente nosso, pelo Banco Central.
Depois liguei para a poderosa Telesp (Telecomunicações de São Paulo), cujo slogan devia ser: "Telesp, onde a culpa é sempre sua". De novo o tom imparcial, depois de longa espera na linha: "Aqui funciona tudo pelo sistema, senhora".
A Telesp se dá ao direito de ir desligando telefones sem avisar, ainda que a culpa seja do banco que não debitou a conta, e dela mesma, Telesp, que manda a conta com os dizeres: "Não receber, débito automático". O prejuízo é seu, porque nem banco nem companhia telefônica assumem o erro. Fica você de palhaço da trapalhada burocrática, da "eficiência" do sistema.
Enquanto isso, no Tatuapé, bairro da zona norte de São Paulo, no 28º Tabelionato de Notas da Capital (Wagner Bertoni - tabelião interino), um rapaz foi registrar uma procuração: R$ 20 foi o preço que lhe deram. Havia uma dezena de semi-esmoleres na fila. Chegou a vez do rapaz, ele pediu um recibo. A escrevente olhou-o com surpresa.
Rebuliço no cartório. A escrevente confabulou à distância com o dono da repartição. Enfim, passados longos minutos, saiu o recibo. A escrevente confidenciou ao rapaz: "Você vai pagar somente oito reais". O moço fez escândalo, sacudindo o recibo no ar, alertando os esmoleres para o fato de que eles seriam roubados se não exigissem recibo.
Brasil: é o dono do cartório (na verdade uma concessão estadual) imitando o dono do banco Nacional ou qualquer outro. O exemplo vem de cima, o roubo se alastra, sistêmico. Créditos podres, gente podre.
Os colarinhos brancos armam conchavos lá em cima, sai cada um com seu milhão garantido e fica tudo por isso mesmo nessa droga desse país.

Texto Anterior: QUESTÃO CRUCIAL; OVO DE NOVO; CHEIA DE DEDOS; RAP-ADURA
Próximo Texto: o macho perdido
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.