São Paulo, terça-feira, 5 de dezembro de 1995
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Funk cidadão

ANTONIO CARLOS DE FARIA

RIO DE JANEIRO - Passada uma semana da caminhada Reage Rio, vai aumentando o receio de que ela seja mais um passo nas desilusões brasileiras com as mobilizações sociais.
Os movimentos das Diretas Já, a campanha eleitoral de 89 e o impeachment foram momentos de grande expectativa, que concentraram os esforços de parte dos setores organizados da sociedade. Com algumas novas adesões, e outras deserções, foram esses mesmos grupos que estiveram na última caminhada.
A cada derrota sofrida nas mobilizações anteriores aumentou o número de céticos que não participaram das seguintes. Há quem defina o ceticismo como sintoma da maturidade.
Em nome dela, antigos caminhantes não viram nada além de derrota na pressão que resultou no governo Sarney ou na campanha que acabou por colocar Collor no poder ou na outra que o retirou do cargo sem no entanto tocar nos esquemas de corrupção do país.
Os que continuaram na caminhada entendem que mesmo as derrotas deixaram algo de aproveitável. Algo que faz o amadurecimento se configurar também como crença de que os conflitos impulsionam para o novo, mesmo que o resultado imediato tenha gosto amargo.
Não cabe falar em fracasso de público para um ato que reuniu um mínimo de 60 mil pessoas. Não cabe classificar de elitista um ato que trouxe as galeras de funkeiros dos subúrbios da cidade e as representações de favelados.
É no caráter difuso do movimento que reside o germe da nova desilusão. Sem ter claro o que propor para o fim da violência, a caminhada Reage Rio pode ficar limitada a um melhor aparelhamento policial.
Essa medida é apenas uma parte da solução e, isolada, atende preferencialmente a um setor dos manifestantes, aqueles que configuram a categoria das vítimas potenciais dos crimes contra o patrimônio.
Os favelados e a ala musical do funk talvez prefiram desfilar em outra avenida na próxima caminhada. Em busca de uma cidadania que vai sendo construída a cada derrota.

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