São Paulo, quarta-feira, 6 de dezembro de 1995
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Tristeza não tem fim

GILBERTO DIMENSTEIN

Depois do racista, que ataca os negros, do machista, que ofende as mulheres, do QI alto, desequilibrado emocionalmente, mais uma categoria é rebaixada nos Estados Unidos: o pessimista. Graças às novas descobertas científicas, o pessimismo é apresentado como uma ameaça à saúde semelhante ao cigarro.
A medicina americana há décadas já deixa em permanente pânico os apreciadores da boa mesa -um pânico que se alastra pelo mundo. Numa implacável inquisição gastronômica contra sal, açúcar, leite, carne vermelha, as periódicas pesquisas trazem a seguinte mensagem: prazer engorda e faz mal, provoca ataques cardíacos e até câncer. Prepare-se, porém, para um nova moda.
Uma moda capaz de levá-lo não apenas ao médico que prescreve regimes alimentares ou academias de ginástica, mas ao divã do psiquiatra. Sintoma de baixa "inteligência emocional" (última moda da psicologia americana, que já chegou ao Brasil), o pessimismo é apontado como um veneno a ser combatido como, por exemplo, o tabagismo ou vida sedentária.
Para manter a saúde não basta ginástica ou se restringir a "suculentos" pratos compostos de duas alfaces, duas rodelas de tomate e um magro filé de frango, seguido de um suco de cenoura. Seria necessário também ter uma visão mais alegre, despreocupada, otimista, exercer o autocontrole, contornar ansiedades -algumas das principais características da "inteligência emocional".
Antes do advento dessa moda (que está minando a importância do QI alto para o sucesso no emprego), a descontração corria o risco de enquadrar o sujeito na categoria de fútil, alienado, leviano ou até bobo. Ganhou o status de modelo a ser copiado.
Para o pânico de quem se acha pessimista, ganham respeitabilidade pomposas pesquisas cheias de números e estatísticas, envolvendo nomes sagrados do tipo Harvard ou Centro Federal de Controle e Prevenção e Controle de Doenças.
A palavra-chave é "nocebo". É o contrário do placebo, uma pílula sem qualquer medicação usada em experiências para testar a eficácia dos remédios. Um grupo recebe esse composto, e outro, o remédio que se deseja mesmo testar. Constataram por diversas vezes que o placebo, mesmo sem nenhum poder químico, ajuda na cura, graças ao efeito psicológico -o indivíduo acredita que vai melhorar e, de fato, melhora.
O "nocebo" é o conceito que indica exatamente o oposto: um indivíduo sadio acredita que vai adoecer e adoece mesmo. "Pensamento produz saúde, mas também doença", afirma Robert Hahn, do Centro Federal de Controle e Prevenção de Doenças.
Para o desespero dos sorumbáticos, uma pesquisa envolveu 122 vítimas de ataques cardíacos. Desse grupo, separaram-se os 25 "mais otimistas" e os 25 "mais pessimistas". Após oito anos de observação, morreram 21 dos pessimistas e apenas 6 dos otimistas.
Para provocar ainda mais pessimismo nos pessimistas, Hebert Benson, do alto de sua cátedra de Harvard, informa que a ansiedade e a depressão geram no cérebro uma reação química que se espalharia pelo corpo -e, daí, atacando o coração ou gerando câncer.

Até agora, o sonho da utopia da imortalidade ou da juventude está localizada na bruxaria ou nas religiões que prometem vida depois após a morte. A ciência começa a ganhar ares de conversa de botequim com investigações que caminham para encontrar nosso relógio biológico -ou seja, se encontraria a fonte do envelhecimento.
Até agora, porém, quem pretende se aproveitar dessas descobertas são as espertas seguradoras. Elas se preparam para exigir exame de genes, que antecipariam a revelação de doenças, para, literalmente, meter a faca no futuro doente.

Na galeria de terrores gastronômicos, os pesquisadores deram uma agradável notícia há alguns anos: dois copos de vinho ou uma dose de uísque por dia faziam bem a saúde. Agora, uma boa notícia para quem acha quem tem coração fraco, mas conta bancária forte. A melhor carne para evitar doenças no coração é o salmão -depois do salmão, mas bem abaixo do potencial de cura, está o atum. Quatro filés por mês é o recomendado.

Brasileiro de maior destaque na vida acadêmica americana, o professor José Alexandre Sheinkman, é diretor da Faculdade de Economia de Chicago, onde se tropeça em Prêmio Nobel. Ali existe mulher que, para se divorciar, exige participação num eventual futuro Nobel do marido -é o caso de Robert Lucas, o último vencedor, que entregou US$ 500 mil para sua ex-mulher.
Sheikmann passará parte de dezembro no Brasil, onde pretende observar a administração do Projeto Axé. Fez uma pesquisa de preços para saber quanto dinheiro iria gastar e, espantado, brinca: "Pelo jeito, no Brasil a única coisa barata é o dólar".

Reconhecimento indispensável, do contrário seria injusto. O Prêmio de Direitos Humanos que recebi ontem em Brasília, se deve, em boa parte, à Folha. Para realizar os projetos de investigação sobre assassinato de crianças ou escravização de meninas, tive de comprometer minhas tarefas diárias ou ficar afastado da redação por longo tempo. Mesmo sem ser requisitado e sem pedir contrapartida, o jornal ofereceu apoio material para que eu percorresse o país.

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