São Paulo, quarta-feira, 6 de dezembro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Novos rumos

LUIZ ANTONIO FLEURY FILHO

Deixo o PMDB, partido que servi como militante durante toda a minha vida pública e pelo qual fui eleito governador do Estado de São Paulo com os votos de mais de 7,3 milhões de eleitores. É um passo difícil, longamente meditado e sofrido, ao qual só me decidi depois de esgotadas, uma a uma, todas as outras alternativas.
Laços estreitos sempre me ligaram ao PMDB, partido que se confunde nas últimas décadas com a história do que há de melhor no Brasil. Assim foi desde o início, quando a sigla MDB começou a simbolizar a esperança dos homens livres na reconquista da democracia. Assim foi na batalha pela anistia ampla, geral e irrestrita, que forjou a união nacional, empolgando o país. E novamente quando a campanha das diretas tomou as praças e as ruas. E ainda, mais uma vez, quando o impeachment veio devolver a dignidade aos brasileiros. Esse sempre foi o meu partido e o de tantos companheiros de luta em todas as partes do Brasil, aos quais hoje me dirijo comovido, certo de que compreenderão a minha atitude.
Deixo o partido, agradecendo todos os autênticos peemedebistas, a quem sempre respeitei, e o faço porque não há mais como negar que, especificamente no Estado de São Paulo, o PMDB sofreu uma lamentável transformação. A velha praga do caciquismo, com a prepotência de alguns alimentando-se da subserviência de outros, criou uma situação com a qual não me é possível conviver.
O PMDB paulista passou a ter um "dono", cuja maior preocupação é a de destruir lideranças naturais que vão se firmando, mesmo que isso implique em sabotar a força e falsificar a história do partido. Os dois últimos programas políticos do PMDB de São Paulo, recentemente veiculados no horário gratuito, são exemplos gritantes. Tratava-se, teoricamente pelo menos, de programas de divulgação do pensamento e das realizações do PMDB, com quem governei São Paulo durante quatro anos. Não houve, no entanto, no decorrer dos programas, qualquer referência nem à minha pessoa nem aos valorosos companheiros que tanto se empenharam na Assembléia Legislativa, no comando das grandes empresas do Estado ou no secretariado para transformar nossas idéias em realidade.
Todo o trabalho por nós realizado, quatro anos da vida do partido do governo, sumiram dos programas políticos, numa tentativa pueril de apagá-los também da memória dos paulistas. No fundo, é a conhecidíssima tática de reescrever a história segundo interesses próprios, cultivada de maneira trágica pelos stalinistas, que se repete como farsa no programa do PMDB paulista.
Amigos revoltados recomendaram-me que recorresse ao comitê de ética do partido, mas não cheguei a tomar essa atitude, pois a idéia de discutir questões de ética com o cacique do PMDB em São Paulo pareceu-me um singular contra-senso.
Além disso, há nessa questão um aspecto ainda mais grave. Reescrever o passado em causa própria não é apenas uma traição aos companheiros. É também, e sobretudo, uma manifestação de desprezo pela inteligência e pelos sentimentos dos militantes e dos eleitores do partido. E ninguém ignora o lamentável resultado dessa maneira de agir. Em todos os momentos em que o PMDB se afastou da militância, afastou-se do povo. E quando se afastou do povo, caiu no vazio. Assim ficou provado -insofismavelmente e de uma vez por todas- na última eleição presidencial, quando o cacique que nomeara a si próprio candidato do partido teve menos votos do que o candidato do Prona.
E, no entanto, mesmo depois dessa inominável derrota, o cacique repudiado pelo povo voltou a dominar a máquina do partido em São Paulo. Que métodos utilizou para conseguir essa façanha é coisa fácil de imaginar. De minha parte, não os aprovo, não os pratico e mesmo que quisesse praticá-los não teria os meios necessários para tanto.
Por que, sabendo de tudo isso, não abandonei o PMDB há mais tempo? Por que esperei até agora? É que eu ainda acreditava na renovação. Como milhões de outros brasileiros, sonhei intensamente com a renovação de nosso partido em São Paulo, afastando de vez o caciquismo, o compadrio e o conchavo. Durante meses esperei que um sobressalto devolvesse o PMDB paulista à sua história e aos seus militantes. O respeito, a amizade e o apoio dos verdadeiros peemedebistas também me fizeram permanecer até agora, atingindo o limite máximo da minha tolerância.
Da maneira como a situação evoluiu, só me resta deixar o PMDB e juntar-me a um partido que aceite o debate de idéias e a multiplicidade de lideranças, mas que não tenha "donos", um partido onde todos possam dar sua contribuição ao grande projeto de modernização nacional. O Brasil novo, que já cresce no horizonte, só será construído por homens que não tenham medo de mudar.

Texto Anterior: Lei de anistia e crimes conexos
Próximo Texto: Centro Tecnológico; Outro sentido; Gênio incompreendido
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.