São Paulo, quarta-feira, 6 de dezembro de 1995
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Nem corvo, nem urubu

JOSIAS DE SOUZA

BRASÍLIA - O que falta ao governo na administração do escândalo do Sivam é acertar no pássaro. O presidente precisa ser menos tucano e mais carcará.
O carcará, como se sabe, é aquela ave do cancioneiro nordestino. Aquele pássaro que, impiedoso, pega, mata e come. Seu trabalho é rápido e limpo. Não costuma deixar sobras para urubus. Ou corvos, como prefere sua excelência.
Não há outra solução para o escândalo do Sivam senão o tratamento radical. Não se arrancará o caso do noticiário com evocações a Edgar Allan Poe. Só o cancelamento do projeto, seguido de investigação séria, acomodará uma pedra sobre o tema.
O Sivam, como já se afirmou, é um projeto morto. Ou o governo aproveita a reunião de hoje do Conselho de Defesa Nacional para sepultá-lo ou se arrisca a continuar recebendo bicadas da oposição. Com sérios prejuízos ao andamento das reformas constitucionais.
São cabeludas e fartas as suspeitas que rondam o projeto. Os diálogos do ex-chefe do Cerimonial da Presidência com o representante da Raytheon apenas emolduram o quadro de suspeições.
Diz-se nos bastidores de Brasília, por exemplo, que há políticos que não resistiriam a cinco minutos de escuta telefônica. Não sobreviveriam a uma quebra de sigilo bancário.
Um senador da República frequenta os subterrâneos da capital como personagem de um caso de suborno. Teria recebido US$ 7 milhões para apressar, em dezembro do ano passado, a votação do pedido de empréstimo externo para que o Sivam pudesse decolar.
O cheiro de peixe podre aumenta quando se destampa o passado do Sivam. Um passado de acusações recíprocas entre a vitoriosa Raytheon e a derrotada Thomsom. Americanos e franceses acusaram-se mutuamente de pagamento de propina.
O barulho inicial teria recomendado maior prudência ao governo. O odor já exalava das páginas de jornais em fevereiro, quando o "The New York Times" publicou as primeiras linhas de suspeição.
Optou-se por desconsiderar os indícios, considerados frágeis à época. Uma tática que, depois do grampo, perdeu a eficácia. Ainda está em tempo.

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