São Paulo, sexta-feira, 8 de dezembro de 1995
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O ICMS federal é um ovo de Colombo

MAILSON DA NÓBREGA

A proposta de emenda constitucional na área tributária anda esquecida. Outros assuntos mais "quentes" têm atraído a atenção do público.
Têm sido várias as críticas ao projeto. Diz-se que há uma recaída centralista: o retorno da competência do Senado para fixar as alíquotas internas do ICMS (a cargo dos Estados desde 1988). Teme-se que o ICMS federal seja apenas um caminho para tributar atividades não alcançadas hoje pelo IPI (o comércio e certos serviços).
Examinemos essas dúvidas. A ampliação da autonomia estadual, em 1988, acirrou a guerra fiscal e distorceu a alocação dos recursos da sociedade. Não houve ganhos palpáveis para ninguém. Uniformizar as alíquotas internas do ICMS em todo o território nacional, via Senado, é um ato de bom senso e não uma ameaça à Federação.
A crítica à uniformidade se baseia em conceitos ultrapassados de autonomia. Hoje, as nações buscam unir-se economicamente para formar blocos regionais. No processo, cedem parte de sua soberania em benefício da harmonização de políticas públicas, inclusive no campo tributário. A União Européia é um bom exemplo.
Uma alternativa à harmonização poderia ser o Imposto sobre Vendas a Varejo (IVV). A tributação ocorreria apenas na venda ao consumidor. Não haveria problemas alocativos. O método do valor agregado (IVA) é, todavia, uma forma superior de tributação do consumo, que se vem impondo em todo o mundo.
O IVV tende a remanescer apenas nos EUA, por razões que não dá para comentar neste espaço. Mas é possível conciliar as vantagens dos dois métodos. Cobrar-se-ia o IVA no Estado onde a mercadoria fosse consumida. A guerra fiscal perderia força. Cada Estado poderia fixar sua alíquota com pequeno ou nenhum reflexo sobre os demais.
Surgiria, contudo, outro problema: o aumento do potencial de sonegação no Estado de origem. O contribuinte poderia declarar que a mercadoria iria para outro Estado, mas efetuaria a venda no mesmo local, livrando-se do imposto.
O ICMS federal é a solução, conforme demonstrou Ricardo Varsano, do Ipea ("A tributação do comércio interestadual: ICMS atual versus ICMS partilhado, mimeo., ago/95). Como se sabe, a proposta prevê que o Senado possa reduzir a zero a alíquota estadual do ICMS estadual. O espaço seria ocupado pelo ICMS federal.
Suponha que as alíquotas de uma dada mercadoria sejam de 15% para o Estado e 4% para a União. Na venda interestadual, a do Estado cairia para zero e a da União subiria para 19%. A carga tributária ficaria inalterada, não havendo estímulo a sonegar.
No primeiro momento, a União arrecadaria mais do que deveria. Esse adicional seria "devolvido" no destino, pois o contribuinte teria direito a crédito de 19% contra o ICMS federal quando a alíquota seria apenas de 4%. Na realidade, conclui Varsano, a União só teria, de fato, o papel de intermediário. Nada ganharia ou perderia.
O ICMS no destino resolveria outra questão: a da desoneração total das exportações. Como não haveria incidência nas saídas do Estado, as vendas para o exterior ficariam automaticamente isentas, em todos os produtos.
Hoje há problemas mesmo no caso dos produtos manufaturados, que são imunes. Quando o exportador adquire um produto em outro Estado, é onerado pelo ICMS interestadual. Os créditos respectivos costumam acumular-se, pois o Estado se recusa a devolver o que outro arrecadou. Com o ICMS no destino, os mesmos bens já chegarão sem o tributo.
A crítica relacionada ao risco de o ICMS federal transformar-se em simples aumento de tributação para quem hoje não paga o IPI é difícil de rebater. Como está posto, os críticos têm razão. O governo e o relator do projeto poderiam criar salvaguardas capazes de tranquilizar os contribuintes.
Os especialistas já detectaram outros problemas. Uma empresa que vendesse a maior parte de seus produtos a outros Estados terminaria acumulando créditos do ICMS estadual. Outra que comercializasse bens sujeitos à alíquota baixa do ICMS federal e adquirisse matérias-primas em outros Estados acumularia créditos desse imposto.
Não é simples. Cabe, todavia, encontrar soluções, pois as vantagens do ICMS federal parecem ser maiores do que suas desvantagens. Pode-se viabilizar definitivamente o único caso no mundo de um IVA cobrado na esfera estadual dentro de uma Federação. Seria um grande ovo de Colombo.

Texto Anterior: Mercado atraente; Quem dirige; Em caravana; Imagem favorável; Regras desfavoráveis; Na linha; Novos parceiros; Direção única
Próximo Texto: IR: o perigo que ninguém viu
Índice


Clique aqui para deixar comentários e sugestões para o ombudsman.


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.