São Paulo, domingo, 10 de dezembro de 1995 |
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Meu amigo cor-de-rosa
MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
Rosado e cheirando a eucalipto, convidou-me a sentar. Não parecia abalado com o festival de intrigas que cerca o presidente, mas demonstrava um certo nervosismo e estava irritado com os jornais. Meu amigo tucano, o idealista, é um homem como o Maia, do Machado: crê que tudo é ilusão do espírito - especialmente quando se trata do governo, que defende e conhece "pessoalmente". Aceitei o convite, puxei o banquinho, aproximei-me do balcão e o acompanhei na água. - "A imprensa não dá descanso, hein?", começou, emburrado. "Vocês vivem procurando pêlo em casca de ovo". - "É fogo", respondi, evasivo, para não iniciar a discussão. - "É fogo mesmo! De onde vocês tiraram essa história de que o governo está dando dinheiro para os bancos? Esse dinheiro é ilusório, meu querido. É dinheiro do próprio sistema bancário, que sai de um banco, vai para outro e acaba retornando ao BC", explicou. "Vocês não leram o artigo do Simonsen?" Um dos problemas de ser jornalista é que você sempre é tratado no plural: "Vocês". Ignorando o incômodo, contrapus: - "Não é estranho o governo aceitar moeda podre dos bancos pelo valor de face?" - "Estranhos são vocês", respondeu secamente. - "Desculpe, mas a imprensa não tem feito nada além de tentar correr atrás dos fatos que o próprio governo cria. Quem foi que levantou a bola do Sivam? Quem mandou gravar as fitas?", argumentei. - "Ora, bolas, isso tudo é palhaçada, vocês ficam com esse nacionalismo boboca, só porque a Raytheon é americana. Não vou mais falar desse assunto", cortou. - "Mas o governo está virando alvo de piada", ponderei. "Outro dia, na TV, vi um sujeito do PT se lamentando. Dizia que a competição entre ministros e assessores deixa muito pouco para a oposição fazer. E o ACM vive tripudiando nas cabeças governamentais..." Meu amigo respirou fundo, pediu mais um coco, ajeitou o roupão, afagou o bico e lançou: - "O ACM, meu filho, é um homem de bem". - "Muito bem, e o caso da pasta rosa?" - "Agora vocês estão com essa história de pasta rosa! Pasta rosa, que eu conheça, era aquele negócio que vinha na latinha e servia para limpar panela na cozinha!", esbravejou. - "E agora parece servir para sujar político", atirei. Meu amigo tucano, rosa como a pasta de Calmon de Sá, não se conteve. Subiu nas havaianas: - "Não existe pasta rosa! É pura ilusão. Vocês ficam inventando história para complicar o processo. Estão apostando no pior. Ouça bem o que eu vou te dizer: daqui a pouco está o Lula aí de volta e eu quero só ver o que vai ser desse país". Dito isso, empinou o bico e saiu decidido em direção às brumas do banho de vapor. Texto Anterior: Lei americana tem um século Próximo Texto: Privatização favorece processo argentino Índice |
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