São Paulo, domingo, 10 de dezembro de 1995
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Europeus vêem no acordo com Mercosul o século 21

CLÓVIS ROSSI
DA REPORTAGEM LOCAL

Para a cúpula da União Européia, o acordo a ser assinado com o Mercosul é "um pouco um exercício de antecipação do que achamos que pode ser um mundo mais equilibrado no século 21".
A definição é do espanhol Manuel Marín, 46, um dos dois vice-presidentes da Comissão Européia, encarregado exatamente das relações do bloco com os países em desenvolvimento.
Nessa condição, Marín foi um dos principais negociadores, pelo lado europeu, do acordo que será assinado sexta-feira.
Membro do PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol), de tendência social-democrata, Marín formou-se em Direito pela Universidade de Madri e pós-graduou-se em Altos Estudos Europeus no Colégio da Europa, da cidade belga de Bruges, especializado em integração européia.
O vice-presidente falou à Folha, pelo telefone, na manhã de quinta-feira.

Folha - Por que a União Européia decidiu dar prioridade ao Mercosul, quando tem à disposição tantos outros blocos econômicos, como o asiático ou o próprio Nafta?
Marín - Em primeiro lugar, por um desenho estratégico. Em segundo lugar, porque o Mercosul responde ao que é a vocação natural da União Européia, ou seja, a integração regional.
Como desenho estratégico, porque cremos que, neste final do século, existe uma tendência natural à constituição de blocos do que se chama o regionalismo aberto, quer dizer, blocos econômicos que vão configurando realidades comerciais, econômicas e políticas e estão desenhando um novo modo de entender as relações internacionais.
Em segundo lugar, por vocação, já que a primeira união aduaneira que teve êxito no plano econômico e político foi justamente a União Européia e o segundo fenômeno de união aduaneira que se produz -e o primeiro na América Latina- é o Mercosul.
Folha - Durante as negociações prévias ao acordo, houve alguma menção a prazos, seja para que se constitua a Associação Inter-Regional, seja para que se chegue à zona de livre comércio, que é o ponto final do processo?
Marín - Atuamos com muita prudência e por isso definimos duas fases. Uma primeira fase será de preparação e vai acompanhar a constituição definitiva do Mercosul como união aduaneira. E uma segunda fase em que se entrará propriamente no processo de liberalização progressiva e recíproca de nossos intercâmbios econômicos.
Preferimos a via da prudência porque o Mercosul ainda está sendo construído e tem ainda problemas internos a resolver. Necessitamos de um tempo que não é, entretanto, muito longo em termos históricos. Estamos falando de 10 anos.
Folha - Autoridades argentinas manifestam o receio de que a União Européia esteja pouco disposta a fazer qualquer tipo de concessão em uma área, a agrícola, que para a Argentina é muito importante.
Marín - A negociação agrícola será a mais difícil e complicada, mas somente para certos produtos. Essencialmente, no caso argentino, a carne nobre, o que é superconhecido. Ou seja, não vamos descobrir nada que seja novo.
Tenho de assinalar que os intercâmbios entre o Mercosul e a União Européia na parte agrícola são relativamente pequenos. Atualmente, há muito mais cooperação financeira e industrial do que cooperação agrícola.
Folha - Em relação aos temas políticos, o sr. imagina que nas reuniões periódicas que o acordo prevê se possa discutir toda a agenda internacional, uma participação até aqui restrita aos países desenvolvidos?
Marín - Isso é o que pretendemos. No diálogo político entre União Européia e Mercosul, não será para nós surpresa alguma que o Mercosul pretenda discutir com a União Européia toda a agenda internacional.
Qual será tal agenda?
Marín - Não sou adivinho, mas, previsivelmente, será a reforma das Nações Unidas e a participação de outros âmbitos geográficos no Conselho de Segurança (hoje restrito, como membros permanentes, a EUA, Rússia, China, Grã-Bretanha e França), em modalidade a se definir. Será a reforma das instituições de Bretton Woods (Fundo Monetário Internacional e Banco Mundial).
Imagino que os países do Mercosul terão um grande desejo de discutir esse tipo de coisas e, ao mesmo tempo, todos os problemas relativos à segurança, à paz e à cooperação internacional.
No século 21, a velha ordem da 2ª Guerra Mundial, que se resumia aos blocos do Norte (EUA, UE e Japão), não poderá continuar funcionando da mesma forma. O que a UE faz é um pouco um exercício de antecipação, em termos de desenho estratégico, do que achamos que pode ser um mundo mais equilibrado no século 21.
Claro que, por trás de todo desenho estratégico, estão sempre os seres humanos e, por definição, seres humanos são incontroláveis, o que significa que serão necessárias muita vontade política e muita liderança para poder levar a cabo esse desenho.
Folha - Houve, em algum momento, na União Européia, alguma tentação de disputa com os EUA em torno do Mercosul, já que os Estados Unidos também estão propondo um acordo similar não só com o Mercosul, mas com todos os países americanos?
Marín - Nós entendemos a aproximação autônoma e específica que está fazendo a União Européia com a América Latina como complementar ao debate hemisférico. Não se trata de criar um antagonismo na América Latina entre EUA e União Européia. Seria um erro. Buscaremos uma complementação dos dois processos.

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