São Paulo, domingo, 10 de dezembro de 1995
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A estabilização e os sem-nada

ALOIZIO MERCADANTE
"A GUERRA CONTRA A POBREZA ACABOU. OS POBRES PERDERAM!"

P. Samuelson
A política econômica do governo é um êxito no combate à inflação. Uma estabilização que descapitalizou a agricultura, destruiu centenas de milhares de pequenos produtores e de empregos no campo.
Uma estabilização amparada na âncora cambial, que combina a abertura comercial com sobrevalorização do real.
Fecharemos o ano com déficit comercial e, mesmo em um contexto de estagnação econômica, as importações cresceram 50% e as exportações apenas 7%.
O país está exportando empregos e uma parte da indústria nacional está simplesmente desaparecendo.
A taxa de juros se mantém em 30% real em dólar, para fechar o balanço de pagamentos atraindo capitais voláteis.
Com isso, ela devasta as finanças públicas e gera níveis recordes de inadimplência (atraso nos pagamentos) e falência. Nada menos de 8.953 empresas já quebraram neste ano.
E, consequentemente, estamos em meio a uma grave crise bancária. O Banco Central, depois de uma intervenção desastrosa no Econômico, financia as fusões e aquisições com a generosidade do Proer.
Os liberais não se manifestam contra essa intervenção do Estado na economia, mas podemos ter mais de 40 bancos presos no redesconto, e pelo menos uma instituição financeira com um rombo superior a R$ 3,5 bilhões, todos na fila do Proer.
Tivemos um superávit fiscal de 1,3% do PIB (Produto Interno Bruto) em 1994 e caminhamos para um déficit de aproximadamente 4,5% do PIB neste ano. Uma deterioração fiscal brutal, em um ano em que a carga tributária chegou a 30% do PIB.
Um déficit que ainda não contabilizou os desdobramentos da crise bancária e o colapso orçamentário de Estados e municípios. A estabilidade monetária não está consolidada e a transição da âncora cambial para um regime fiscal consistente parece cada vez mais distante.
O lado mais perverso é que essa opção por um modelo neoliberal impõe novos valores e importantes mudanças políticas. O país celebra o individualismo, o consumismo e a ética da eficiência se impõe à ética da solidariedade.
Nesse modelo neoliberal, uma parte cada vez maior da população simplesmente não serve, a economia caminha sem sua contribuição.
Os ricos enriquecem sem eles, os governos são eleitos sem eles, a sociedade civil se organiza sem eles, são um custo a mais.
Eles são os sem-terra, sem-teto e, principalmente, os sem-trabalho, eles são os sem-nada!

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