São Paulo, domingo, 10 de dezembro de 1995 |
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A pasta Bombril
LUÍS NASSIF A favela da Vila Alpina estava um alvoroço neste final de semana. Favelados deixaram de lado seus problemas banais com a sobrevivência, os tiros que de vez em quando vazam a janela dos barracos, os justiceiros que vez por outra deixam presuntos ao relento para, junto com o Brasil, discutir um mistério essencial: quem vazou para a imprensa o conteúdo da pasta cor-de-rosa do Banco Econômico?O sr. Juraci das Couves, catador de papel, parou seu carrinho-de-mão em frente ao boteco Rei das Batidas e manifestou sua opinião de que o vazamento teria sido responsabilidade de pessoas do Banco Central, visando atingir o ministro do Planejamento. O sr. Zé das Biritas, emérito botequineiro -e dono do "Rei"-, não tinha essa convicção. Entre uma reclamação e outra contra a queda do movimento, sustentava que o alvo seria mesmo o senador ACM. Pedreiro desempregado, Joãozinho dos Anzóis deixou de lado as preocupações com o remanejamento das escolas públicas -que transferiu sua filha para uma escola do lado oposto da Vila Alpina- para apresentar opinião instigante. O conteúdo da pasta teria sido vazado pelo próprio senador ACM, ou pelo ministro Serra, justamente para comprometer o BC. Lembrava que, em casos semelhantes, as novelas de TV ensinam que muitas vezes a vítima pode ser o culpado. Preocupado com a derrota do Santos para o Fluminense, e com as catracas eletrônicas nos ônibus municipais, Tião Cobrador não dispunha de capacidade de abstração necessária para acompanhar os vôos de Joãozinho dos Anzóis. Garantia que quem vazou era mesmo o interventor, que sempre lhe pareceu muito xereta. A favela da Vila Alpina aguenta miséria, violência, analfabetismo, justiceiros, crack e drogas de menor porte. Mas se não conseguir desvendar esse mistério capital, não se sabe o que poderá ocorrer com a sanidade de seus habitantes. País da fantasia Fantástico país, este Brasil. Com equívocos de política econômica e tudo, com governos quebrados e governantes sem ação, está-se em meio a uma revolução que está revirando tudo de ponta-cabeça. A dinâmica deflagrada em 1990 com a abertura da economia entra em seu segundo turno, como contrapartida de uma crise que poderia ter sido menos virulenta, mas que, de qualquer modo, traz embutido enorme potencial transformador -como toda grande crise. No meio do furacão de uma revolução fecundíssima, e de enormes desafios pela frente, Brasília é uma festa, uma corte florentina coalhada de aprendizes de Maquiavel. Grandes intelectuais na vida pública, políticos que são testemunhas oculares da história, presidente com pretensão a estadista, todos deixam de lado a percepção histórica, a suprema satisfação de se tornarem agentes ativos de um processo de mudança fundamental, para se dedicarem ao nobre mister... do mexerico. E a opinião pública moderna vai atrás, como londrinos enfastiados, loucos por uma fofoca, pela foto da calcinha da princesa ou, à sua falta, por uma pasta cor-de-rosa, que injete um pouco de emoção nessa modorra de país estabilizado. É o Brasil que pode se dar ao luxo de perder tempo, como um novo-rico deslumbrado. 1.001 utilidades Trata-se de uma pasta de 1.001 utilidades. Serve para o BC flechar o ministro do Planejamento, incluído numa lista de políticos recomendados pela Febraban. E serve para o ministro flechar o BC, acusando-o pelo vazamento dos documentos. Serve para o BC encurralar o senador baiano, que aparece como beneficiário das contribuições. E para o senador colocar o BC na sinuca. Tudo em torno de documentos que comprovam que bancos contribuíam para campanhas eleitorais de candidatos afinados com sua visão de país. E que o banco baiano destinava a maior parte de suas contribuições eleitorais ao senador baiano. Uma revelação tão estarrecedora quanto a de que Branca de Neve perdeu a virgindade depois de se casar com o príncipe encantado. Do jeito que a coisa caminha, em breve vai se descobrir que montadoras, empreiteiras, setores industriais e comerciais, sindicatos, agricultores e tudo o mais também contribuíam para as campanhas de seus candidatos. Aí é que os favelados da Vila Alpina nunca mais conseguirão reencontrar seu eixo. Texto Anterior: Como reformar Estado não é consenso Próximo Texto: UE e Mercosul se unem até 2005 Índice |
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