São Paulo, domingo, 10 de dezembro de 1995
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Franceses se recusam a entrar na era liberal

ALAIN TOURAINE

Uma política de mudanças sociais mais negociada e melhor preparada supõe ao mesmo tempo parceiros sociais capazes de negociar, o que não é o caso, e um Estado menos prisioneiro de sua própria grandeza, de sua rigidez e de sua ignorância das realidades sociais. Na Alemanha, por exemplo, os sindicatos e as patronais negociam, e o sistema federal associa a oposição às decisões, em muitos das Províncias.
Na França, pelo contrário, o Estado é ao mesmo tempo o chefe e o prisioneiro do setor público, que vive à margem do setor privado, muito mais dependente dos mercados internacionais.
Em nenhum lugar essa contradição é mais visível do que nas universidades. Os estudantes se queixam da insuficiência de recursos para o ensino e, de fato, sofrem um índice altíssimo de repetência, mas, ao mesmo tempo, tanto eles quanto os professores se opõem à autonomia das universidades, preferindo a proteção longínqua do Estado à gestão real da organização universitária.
Nos últimos dias, enquanto o ministro da Educação fazia grandes concessões, eles preferiram recusá-las e não negociar, para permanecerem dentro da grande coalizão formada contra os projetos sociais do governo.
Mais uma vez parece ser impossível reformar a universidade, e as vítimas dessa impossibilidade são os estudantes médios, de origem popular, pois os estudantes melhor preparados, em termos escolares e sociais, estudam sob melhores condições no setor seletivo e têm proteção quase total contra o desemprego.
Essas análises conduzem a uma conclusão: é um modelo de desenvolvimento e gestão da sociedade que está sendo questionado, e uma estratégia governamental péssima agravou em muito uma crise cujas raízes são profundas. É pouco provável, portanto, que essa crise se resolva por meio de um acordo.
Aliás, nem os sindicatos nem o governo falaram em negociações. Cada campo pede a capitulação do outro. Assim, há três saídas possíveis. Ou o governo capitula e renuncia a seu plano de reformas, mas o primeiro-ministro já excluiu essa possibilidade; ou a ação sindical se esgota, pois o setor privado não aderiu a ela, e a opinião pública se cansa de viver sem trens, sem metrô e sem ônibus; ou então, se não houver solução social para a crise, só pode haver uma solução política, por meio da dissolução da Assembléia Nacional e de novas eleições parlamentares que certamente reduziriam a maioria atual.
Seja qual for a saída da crise, pode-se pensar que a crise do modelo francês de gestão não terminou e que irá dominar todo esse final de século, tão grande é a dificuldade, para um país que sempre foi conduzido por seu Estado e nunca por sua burguesia, de trocar de mestre e de lógica de organização e ingressar num sistema liberal e social-democrata que sempre lhe foi estranho.

Tradução de Clara Allain

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