São Paulo, domingo, 10 de dezembro de 1995
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O outro lado do dólar

Aproxima-se o aniversário da crise mexicana. As condições no mercado financeiro internacional, em especial as expectativas com relação aos mercados latino-americanos, ficaram ao longo do ano longe tanto do catastrofismo que alguns erroneamente previram quanto do otimismo ingênuo que prevalecia antes da crise.
No Brasil, a principal consequência do terremoto mexicano aconteceu apenas em março, quando o BC anunciou de modo desastrado um sistema de bandas cambiais e perdeu mais de US$ 6 bilhões em reservas. A resposta das autoridades ao efeito tequila foi elevar os juros e fechar os olhos.
Os juros elevados fizeram efeito. As reservas internacionais, que em abril chegaram a cerca de US$ 30 bilhões, em julho já alcançavam US$ 40 bilhões e em outubro já encostavam nos US$ 50 bilhões.
A qualidade dessas reservas é discutível. Mas a recuperação foi suficientemente espetacular para afastar os temores de um contágio da economia brasileira pelo vírus de uma megadesvalorização cambial do tipo mexicano. O efeito colateral dessa enxurrada de dólares foi a igualmente rápida acumulação de um estoque de dívida pública comparável apenas ao período que antecedeu o Plano Collor.
O que praticamente nenhum analista observa, entretanto, é que essas reservas no caixa do BC não têm como contrapartida apenas o endividamento público exponencial. Boa parte desses recursos foi captada no exterior por empresas brasileiras e, principalmente, por bancos. Ou seja, o "overshooting" dos juros teve como efeito um novo e monumental endividamento externo do setor privado.
A recente crise bancária, se não chegou afinal a um ponto de ruptura, colocou os credores externos em estado de alerta. A renovação de linhas tornou-se mais difícil e mais cara. Além dessa fragilidade, é evidente que o intenso endividamento em dólar de empresas e bancos brasileiros tira graus de liberdade da política cambial. Um movimento mais intenso de correção cambial complicaria o equilíbrio financeiro do setor privado.
Contar com reservas suficientes é bom. E a dolarização de passivos não é um mal em si. Mas levar esse processo ao paroxismo num ambiente que nem de longe é ainda o de uma estabilização consolidada significa correr riscos e incorrer em custos perfeitamente dispensáveis.

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