São Paulo, domingo, 10 de dezembro de 1995
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Acorda, presidente

JOSIAS DE SOUZA

BRASÍLIA - Há mais do que "grampos" e pastas rosadas em Brasília. Há bem mais do que o malcheiroso contrato do Sivam. Muito mais do que a malfadada ajuda à banca falida.
Há na capital da República um governo em franca deterioração. E a degeneração não é o mais grave. Há pior: Fernando Henrique ainda não se deu conta de que o terreno esboroa-se precocemente sob seus pés.
Há um único e alvissareiro consolo: com menos de um ano na Presidência, sua excelência tem agora prazo elástico de três anos para acordar. Se quiser, ainda pode reagir. Está em tempo de abrir os olhos.
Há qualquer coisa de bizarro, de esquisito em toda essa situação. O governo perde-se por besteira, eis o ponto mais intrigante. Sem oposição, complica-se sozinho.
Brasília parou de produzir boas notícias desde o instante em que, na calada da madrugada de um sábado, Fernando Henrique mandou para a gráfica oficial a Medida Provisória de socorro aos bancos.
Seguiu-se a incorporação do Nacional pelo Econômico, com ônus para o Tesouro. Depois, o "grampo" no telefone do chefe do Cerimonial da Presidência e o consequente escândalo em torno do Sivam.
Quando o país começava a descobrir que Sivam não é nome de cabeleireiro, surge, das entranhas do Banco Central, uma pasta cor-de-rosa. Abriu-se nova crise, ainda irresolvida.
O que mata o governo é a sensação de que o presidente perdeu as rédeas da administração pública. Firma-se a sólida impressão de que, à margem da República oficial, funcionam outras duas paralelas: a república da Polícia Federal e a república do Banco Central.
Sabia-se que o governo tinha um corvo, já exonerado. Descobre-se agora que possui, na verdade, um autêntico viveiro das tais aves de mau agouro.
Não bastasse toda a confusão, há ainda um complicador. O presidente viaja hoje para a Ásia. Passará 11 dias fora. Se já o esfaqueiam pela frente, imagine-se o que não farão na sua ausência.
Recomenda-se a sua excelência que, ao passar pela China, primeira escala da viagem, não se deixe influenciar pelos olhinhos puxadinhos da população local. É bom que volte de olhos mais abertos.

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