São Paulo, domingo, 10 de dezembro de 1995
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Beatles diante da lareira

DALMO MAGNO DEFENSOR
ESPECIAL PARA A FOLHA

Outro dia assisti na MTV ao novo clipe de Sinéad O'Connor ("Famine"), que me surpreendeu duplamente: Sinéad é uma gracinha de cabelo crescido, e sua música contém o refrão da bela "Eleanor Rigby", dos Beatles, lançada em 1966.
É chover no molhado falar da qualidade e importância do trabalho dos Beatles ou da influência que exerceram: o grupo é um raro caso de aceitação generalizada pela crítica, público e meio musical -o que torna imperdoável a negligência com que seu trabalho sempre foi tratado pela TV brasileira.
Em junho de 1967 houve a primeira transmissão de TV via satélite para todo o mundo: um programa chamado "Our World" (nosso mundo), com números musicais de vários países, sendo a Grã Bretanha representada pelos Beatles.
A música que tocaram, inédita, era de Lennon. Começava com "A Marselhesa", o hino nacional francês, e terminava em "fade-out com a frase "Love Is All You Need" (amor é tudo o que vocês precisam), recheada de "retalhos de várias músicas, entre elas "She Loves You", "Reensleeves" e o arranjo de Glenn Miller para "In the Mood".
Para cantar o refrão de "All You Need Is Love", os Beatles tiveram ajuda de amigos do meio musical, entre eles Mick Jagger e Keith Richard (Rolling Stones), Keith Moon (The Who), Marianne Faithfull, Eric Clapton e Graham Nash.
Esses dados estão no livro "The Complete Beatles Recording Sessions", de Mark Lewisohn, que estima o público do megaevento em cerca de 400 milhões de telespectadores -entre os quais não estiveram os brasileiros, ou, pelo menos, nenhum que eu conheça.
Perdemos uma rara oportunidade de ver os ídolos, pois, não custa lembrar, aquele era um mundo primitivo, sem videoclipes, em que nem as trilhas de novelas tinham lugar para a música pop.
Felizmente, quando a inovadora "Beto Rockfeller" surgiu, em 68, não deixou pedra sobre pedra nem na parte musical.
Lembro-me da cena em que, entristecido pelo rompimento com Renata (Bete Mendes), Beto (Luís Gustavo) põe "Blackbird" na vitrola.
Entre goles de uísque, traduz os versos de Paul McCartney e divaga sobre o melro que canta na calada da noite, quando chega a esperada hora de voar -o que ele mesmo, Beto, fará em seguida, largando tudo e se mudando para o Rio.
Se "Beto definiu o padrão, vigente ainda hoje, de trilhas baseadas em música pop, não o fez em relação à presença dos Beatles: desde então, suas canções raramente foram ouvidas em novelas, e, quando aconteceu, eram versões não muito felizes, como a de "Yes it Is" (Verônica Sabino), e a de "Hey Jude" (Kiko Zambianchi).
Para não ficar só na implicância: a Bandeirantes exibiu há poucos anos um excelente documentário em que George Martin, produtor e arranjador dos Beatles, esmiuça o revolucionário trabalho de "Sergeant Pepper's".
Li certa vez que, nos anos em que morou no célebre edifício Dakota, em Nova York, John Lennon raramente acendia a lareira de seu quarto, e chamava a TV, que sempre deixava ligada, de sua "lareira eletrônica".
Nesta semana teremos a esperada série sobre os Beatles na Globo. Sendo, ainda por cima, legendada e sem cortes (viva as cláusulas contratuais!), merece ser recebida de braços abertos.
Certamente estarei chamuscando os olhos e a alma na "lareira". Aliás, como pretendo manter o calor por bastante tempo, comprei "lenha" de boa marca japonesa para o aparelho de videocassete.

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