São Paulo, terça-feira, 12 de dezembro de 1995
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Poços e a paixão de Vargas

LUÍS NASSIF

Os trechos do diário de Getúlio Vargas -antecipados pela revista "Veja" desta semana- são testemunho eloquente da mais glamourosa cidade brasileira das décadas de 20 a 40: Poços de Caldas.
Como um adolescente tímido, Vargas cita suas incursões a bosques locais com a grande amada dos anos 30. A revista especula se a musa poderia ser Aimée Sotto Maior, mulher de Luiz Simões Lopes, a poeta Adalgisa Nery, viúva do pintor Ismael Nery, ou mesmo a vedete Virgínia Lane.
Os velhos moradores de Poços sabem perfeitamente quem era. E recordam-se até hoje dos olhares enlevados que Vargas dedicava à amada, em plena recepção do Palace Hotel.
O bosque a que se referia Vargas era a cascata das Antas. A cidade praticamente terminava na estação de trem. Após ela, havia a grande avenida João Pinheiro, retificada no braço por imigrantes italianos. Após a avenida, uma estrada de terra levava à cascata das Antas. Quando Vargas ia para lá com a namorada, acompanhado de Benedito Valadares, a polícia colocava uma barragem no início da João Pinheiro, praticamente impedindo a passagem de curiosos.
O único com acesso ao local era o delegado Moacir Vieira, já falecido, mas que encantava as rodas boêmias da cidade relatando os gestos do estadista, derretendo-se como um garoto apaixonado -mas sem jamais perder a dignidade.
Tratamentos
Os aliancistas começaram a frequentar a cidade logo após a vitória na Revolução de 30. Primeiro, chegou Juarez Távora.
A partir de 1933, a família Vargas tornou-se freguesa do balneário, chegando com grandes comitivas e praticamente mudando a capital da República para Poços e São Lourenço.
A razão teria sido permitir a dona Darcy tratamentos fisioterápicos após o desastre na serra de Petrópolis que matou seu ordenança e a feriu gravemente. O tratamento era ministrado nas Termas Antônio Carlos, dirigida pelo médico Aristides de Mello e Souza, pai do crítico literário Antônio Cândido de Mello e Souza, que dispunha de alguns dos equipamentos e tratamentos termais mais avançados da época.
Velhos médicos locais -como Benedictus Mário Mourão (na época, aplicado estudante de medicina)- sustentam que Vargas teria começado a frequentar Poços para submeter-se a um tratamento especial para surdez, com equipamentos importados da França. No diário, Vargas admite que nesse mesmo período começava a padecer de problemas de audição.
"Almofadinhas"
O clima de namoro da cidade era infernal, para desespero dos maridos das banhistas. Nos jardins imperavam "almofadinhas", guapos rapazes especializados em dançar e fazer a corte. O acesso rodoviário a Poços era precário. Eram mais utilizados o trem da Mogiana e o transporte aéreo -todos com horário marcado, impedindo que damas ofegantes fossem pilhadas por chegadas imprevistas dos maridos.
Nem sempre se atingia a perfeição. Um popularíssimo prefeito municipal foi flagrado nos corredores do Palace Hotel -o mais importante da cidade- saindo de cuecas do quarto de uma dama, cujo marido chegou no trem pela manhã e demorou-se um pouco pela cidade antes de rumar para o hotel.
Há pelo menos um caso em que o jovem amante de uma embaixatriz da comitiva de Vargas precisou se trancar no armário, quando dona Darcy chegou de surpresa ao quarto da amiga. E testemunhou as lamentações da primeira-dama com os ímpetos amorosos do marido.
Estado Novo
Foi em Poços que ocorreu reunião fundamental para a deflagração do Estado Novo. Num almoço na Caixa D'Água, recanto turístico da cidade, interventores convocados por Vargas esmeraram-se em estimulá-lo a continuar no poder -conforme reportagem minuciosa escrita para "O Dia" por um jovem e ambicioso repórter de nome Arnon de Mello.
Suspeita de ser a amante secreta de Vargas, a poeta Adalgisa Nery protagonizou alguns dos episódios mais quentes das temporadas daqueles anos, em festas noturnas na "Fonte dos Amores" que até hoje despertam a imaginação dos velhos moradores locais. Um de seus companheiros era justamente João Daudt, que a revista foi ouvir para tentar descobrir o nome da paixão de Vargas.
A belíssima poeta nunca teve nada com Vargas. Sua grande paixão era mesmo dona Aimée Sotto Maior.

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