São Paulo, quarta-feira, 13 de dezembro de 1995
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Nostalgia agrária

PEDRO DE CAMARGO NETO

Ao priorizar a intervenção na estrutura social do campo por meio de desapropriações de terra seguidas de assentamentos administrados pelo Estado, o governo optou por um modelo de reforma agrária ultrapassado.
Em pleno contexto de globalização e inserção da economia no mercado internacional, no qual o Mercosul e os efeitos da rodada Uruguai na nova Organização Mundial de Comércio têm papel fundamental na criação de empregos e distribuição de riqueza, o governo enfrenta a questão do campo com nostalgia ideológica.
Concentrados na proposta de estabilidade a qualquer custo, na qual os números de inflação e recessão são analisados por valores médios, ignorando os efeitos da gritante dispersão de preços relativos provocada pelo Real, essa antiga bandeira passou a representar importante discurso do governo.
É triste, pois, mais do que a ineficácia dos recursos a serem despendidos ou o aguçamento de conflitos políticos, o certo fracasso da fórmula adotada representa enorme desperdício de tempo no equacionamento da grave crise que atravessa o meio social rural.
O Plano Real alcançou o campo em processo de profundas transformações. Uma série de malsucedidos planos econômicos, aliada à ausência de investimentos públicos, vinha provocando acentuada marginalização social. O Real acelerou o processo.
O escorchante juro tem um enorme impacto na formação de preços do setor, fruto da característica sazonal dos estoques agrícolas, além de sua influência no câmbio e de seus efeitos na desorganizada abertura econômica. A importante perda de renda do setor provocou, além da sempre lembrada inadimplência de produtores, um enorme desemprego rural. O empobrecimento do homem do campo tem sido ignorado pelo governo e pela opinião pública.
Temos assistido ao desassentamento de centenas de milhares de famílias. O Estado falar em assentar algumas dezenas de milhares sem tomar nenhuma iniciativa para reverter o êxodo rural é lamentável. A verdadeira reforma agrária, a da modernidade, inicia-se com alterações profundas na política macroeconômica e no próprio modelo de desenvolvimento. O assentamento de que precisamos é o induzido, não o administrado pelo Estado.
Não se trata de questionar a necessidade de urgentes medidas que alterem a injusta distribuição de renda e propriedade rural e urbana. É preciso, porém, no mínimo constatar que o método de desapropriação e assentamento administrado será inoperante para a magnitude da tarefa proposta.
A reforma agrária de que o Brasil precisa, isto é, que produza a necessária alteração na estrutura social, tem amplitude muito maior do que desapropriações conseguem realizar. É preciso também destacar que o custo unitário de um assentamento pelo Estado torna o método extremamente ineficiente em relação a outras propostas sociais de maior abrangência.
Instrumentos de política agrícola, que são antes de tudo redes de proteção para o pequeno produtor, precisam ser viabilizados. A reforma social, agrária e urbana de que o Brasil precisa exige uma reforma tributária que valorize os impostos diretos em relação aos indiretos, uma reforma fiscal que viabilize os investimentos sociais, uma reforma previdenciária que traga equidade e honestidade, uma reforma patrimonial e econômica que viabilize investimentos vultosos e, mais do que tudo, uma reforma política que fortaleça nossa ainda incipiente democracia.
A reforma social não comporta juros escorchantes, responsáveis por histórica concentração de renda, e exige políticas públicas para os diversos setores da economia e responsabilidade no comércio exterior.
Desapropriações e assentamentos administrados não deveriam, de maneira nenhuma, contar com a recente prioridade. Podem representar unicamente ação complementar que, em função do custo, só deve ser usada em casos particulares. Aceitar a prioridade do Movimento dos Sem-Terra pode até distrair a atenção dos seguidores de um antigo pensamento, mas não equacionará a questão social.

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