São Paulo, sexta-feira, 15 de dezembro de 1995
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Volks adota decisão contra trabalho infantil

CLÓVIS ROSSI
DA REPORTAGEM LOCAL

A Volkswagen do Brasil anunciou ontem a "decisão política" de iniciar de imediato estudos com vistas a eliminar o trabalho infantil em toda a cadeia de produção que resulta em veículos prontos para a venda.
Miguel Jorge, vice-presidente da Volkswagen, comunicou a decisão durante reunião entre a Fundação Abrinq e todos os segmentos envolvidos na produção de veículos (forjaria, siderurgia, autopeças e as próprias montadoras).
Os demais participantes da reunião comprometeram-se a criar um grupo de trabalho para, em um prazo eventualmente mais longo, chegar ao mesmo objetivo.
A decisão da Volks é a resposta a uma descoberta politicamente constrangedora para as grandes montadoras de veículos, todas elas multinacionais.
Embora não empreguem crianças, compram produtos cuja matéria-prima, no início do ciclo de produção, envolve grande quantidade de mão-de-obra infantil. É o caso do carvão, que vira ferro-gusa, indispensável para a fabricação de aço. É do ferro-gusa que sai uma infinidade de outros produtos que terminam no automóvel.
Essa constatação criaria "um problema do tamanho de um bonde na Alemanha", admite Miguel Jorge, vice-presidente da Volkswagen, referindo-se à sede mundial da empresa. O constrangimento viria de uma contradição: os países desenvolvidos têm insistido sistematicamente para que o comércio mundial adote o que se batizou de "cláusula social".
Traduzindo: o respeito a convênios trabalhistas que dificultam ou impedem condições de trabalho aviltantes, entre elas o emprego de crianças. O governo brasileiro, no relatório sobre a situação social do país encaminhado em março à ONU (Organização das Nações Unidas), reconheceu que 16,9% das crianças entre 10 e 14 anos já trabalham, fornecendo munição adicional para os defensores da cláusula social.
Descobrir que empresas com matriz exatamente nos países desenvolvidos se beneficiam, ainda que indiretamente, do trabalho infantil causaria o "problema do tamanho de um bonde" antevisto por Miguel Jorge. Foi exatamente com esse objetivo que Oded Grajew, presidente da Fundação Abrinq, propôs uma investigação sobre todo o ciclo produtivo de algumas áreas industriais.
A revista mensal "Atenção" fez a investigação e publica, em seu número 2, que vai às bancas no fim-de-semana, a comprovação de que o carvão extraído por crianças acabava, depois de transformado, em um veículo produzido por indústrias do setor chamado moderno da economia.
Não é só o carvão. Há crianças catando laranjas, que viram suco para exportação, colhendo cana-de-açúcar, que vira álcool e é subsidiado por uma estatal -a Petrobrás-, e trabalhando em microempresas caseiras de calçados, cuja produção é comprada pelas grandes fábricas exportadoras.
Por isso, a Fundação Abrinq propôs estender a proibição a todos esses setores, com sucesso parcial. A indústria calçadista de Franca (SP), um dos três grandes centros produtores, aceita a idéia, informa Américo Pizzo Junior, diretor administrativo do Sindicato da Indústria de Calçados.
Mais do que aceitar, o Sindicato das Indústrias de Calçados criou o movimento Pró-Criança, com financiamento do empresariado e o objetivo de atender só este ano entre 3.000 e 4.000 crianças.
Pizzo Junior diz que o trabalho infantil reduz apenas marginalmente o custo para a indústria de calçados. "Pode muito bem passar sem ele", afirma. O problema maior vai ser convencer os pais a deixar que os filhos troquem pelo estudo o trabalho em oficinas em geral caseiras. "Vamos demonstrar que o trabalho infantil agrega muito pouco à renda familiar", afirma Pizzo Junior.

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