São Paulo, sexta-feira, 15 de dezembro de 1995 |
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"Justiça" é drama judiciário kafkiano
JOSÉ GERALDO COUTO
Produção: Alemanha, 1994 Direção: Hans W. Geissendörfer Elenco: Maximilian Schell, Thomas Heinze, Anna Thalbach Onde: estréia hoje no Cinesesc Há um misto de Kafka e Agatha Christie neste estranho drama jurídico dirigido pelo alemão Hans W. Geissendörfer com base em romance do suíço Friedrich Dürrenmatt. Em Zurique, Suíca, o senador Isaak Kohler (Maximilian Schell) entra num restaurante lotado, saca um revólver e dispara um único tiro fatal contra um professor sentado a uma mesa. Em seguida, diante de dezenas de testemunhas boquiabertas e imobilizadas, deixa tranquilamente o restaurante e vai a uma ópera. Entre as testemunhas estão o chefe de polícia (Mathias Gnadinger) e o jovem advogado Felix Spat (Thomas Heinze), que a partir de então se torna o protagonista do filme -ou, antes, o antagonista, já que o outro pólo dramático é ocupado pelo estranho assassino. À primeira perplexidade -o que levaria um prestigiado político a, sem nenhum motivo aparente, matar um homem a sangue frio e em público?- soma-se outra, ainda mais inquietante: Kohler contrata o jovem advogado Spat para provar que ele é inocente. Em outras palavras: Spat vai ter que provar que não viu o que viu. Para além das implicações morais da situação (a certa altura, chega-se a citar explicitamente o tema do Fausto, que vende a alma ao diabo), o filme tece a partir daí um enredo labiríntico que ora centra seu foco nos absurdos lógicos da Justiça, ora na perversão das relações sexuais e afetivas. Há dois problemas básicos no modo como o diretor Geissendörfer conduz essa trama diabólica. O primeiro diz respeito à estética de minissérie televisiva que contamina boa parte das cenas dramáticas, sobretudo as que mostram o romance entre Spat e a filha de Kohler. Apesar da originalidade da história, abundam os clichês narrativos e estéticos -o que é agravado pela música melosa e rebarbativa de Frank Loef. Outro problema diz respeito à estrutura narrativa e à manipulação do ponto de vista. Até a terceira quarta parte do filme, toda a história é vista pelos olhos de Felix Spat. Porém, a certa altura, o ponto de vista passa a ser, temporariamente, o da filha de Kohler. Longe de parecer um procedimento voluntário e esteticamente necessário, a mudança de foco causa um "ruído", uma sensação desagradável de que entrou areia no mecanismo da narração. Essa ausência de unidade narrativa não chega a comprometer o filme -que se deixa ver com interesse e prazer do início ao fim-, mas o impede de ser o que poderia ser: um empolgante "thriller" kafkiano. Texto Anterior: "Sem Fôlego" tira humor de pequenas causas Próximo Texto: MAM exibe fragmentos do corpo em exposições Índice |
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