São Paulo, sábado, 16 de dezembro de 1995
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Escola em área violenta de Nova York vira modelo

GILBERTO DIMENSTEIN
DE NOVA YORK

Raros prédios foram poupados dos ataques de gangues de grafiteiros em Washington Heigths, região localizada ao norte de Manhattan e batizada pelo jornal "The New York Times" como a "capital do crime".
Uma das exceções é a escola de 2º grau Salomé Ureña de Henriquez, que ostenta como troféu as paredes intactas.
Sinal de inusual respeito, a ausência de grafites é um detalhe revelador de uma escola que, por ganhar a admiração mesmo das gangues mais temidas do bairro, elevar o padrão de ensino público e eliminar a evasão, tornou-se modelo não apenas nos Estados Unidos, mas no mundo.
Acaba de ser apontada como exemplo num relatório do Carnegie Corporation, resultado de nove anos de pesquisa sobre a adolescência, conduzida por 27 renomados psicólogos e pedagogos.
Família
O prédio tem uma característica particular: abre de manhã, funciona até as 22h, fica aberto nos finais de semana, feriados e férias.
Não é apenas lugar para os 1.400 alunos entre 10 e 14 anos que a escola atende, mas também para seus irmãos sem idade escolar e, principalmente, para os pais.
Mais do que uma escola, é um centro comunitário. Os pais recebem aconselhamento psicológico, médico e os mais variados cursos, como computação, inglês (a maioria é imigrante) e até aulas sobre como abrir um pequeno negócio.
Por meio desses mecanismos, tem-se um fundamental envolvimento dos pais na educação dos filhos.
Origem
Numa ofensiva contra a degradação da comunidade, uma associação comunitária propôs à Prefeitura de Nova York ajudar a administrar uma escola, na busca de um padrão de excelência comparável às instituições privadas.
A experiência começou em 90, quando o bairro ganhava as manchetes das páginas policiais como a "capital do crime".
É o mesmo cenário dos bairros pobres e violentos de Nova York: tiroteios, 40% das famílias vivendo abaixo da linha da pobreza, drogas, álcool, alta taxa de desemprego, adolescentes grávidas pelas ruas.
A visão dominante -e até certo ponto justificada- é que esse perfil de gente tende a engrossar a mão-de-obra desqualificada, a fileira dos desempregados e, frequentemente, as prisões.
Com fundos privados, o Children's Aid Society propôs um acordo: eles dariam por ano mais US$ 1.000,00 por aluno.
Essa verba seria adicionada aos cerca de US$ 6.000,00 por ano que cada estudante custa para a Prefeitura de Nova York.
Com esse dinheiro suplementar, o Children's administraria os cursos aos pais, a assistência médica e dentária, o aconselhamento psicológico e os programas especiais aos alunos.
A associação avaliou que, ao cuidar dos problemas sociais e psicológicos da família e do aluno, daria mais liberdade à professora.
Ela se restringiria apenas a ensinar, já que alguém tentaria resolver os efeitos da brutalidade doméstica, da saúde, do envolvimento com drogas, do comportamento violento, do sexo precoce, da educação sexual.
A administração dos conflitos se dá não apenas por meio dos psicólogos, mas com aulas de balé, música, teatro ou esportes.
Essas atividades ensinam os alunos a servir de mediadores para resolver conflitos de seus colegas.
A tarefa de dar aulas numa escola pública de bairro pobre é dificultada porque o aluno ou aluna é fisgado pelo ciclo vicioso da pobreza: o estudante tem a saúde prejudicada, desequilíbrio emocional abalado e não aprende.
Por não aprender, não obtém emprego e, assim, cai na marginalidade, reforçando uma baixa estima que estimula um comportamento destrutivo.
Integração
As salas da escola têm computador, e as aulas são integradas com os programas especiais depois do horário normal.
Foi criada ainda uma oficina para consertar bicicletas da comunidade: a partir daí, o estudante se envolve numa tarefa produtiva.
A bicicleta consertada é dada de presente a alguém da comunidade. E o aluno aprende noções de matemática, mecânica e ecologia.
Dentro da escola foi aberta uma loja com produtos famosos entre as crianças, do tipo Nike. Ali, eles aprendem as noções de comércio, contabilidade, composição de lucro, matemática (cálculo de juros composto, por exemplo).
Respeito
"Nosso segredo é respeitar o aluno", diz Rosa Agosto, diretora do Children's Aid Society.
"Respeitar não significa fazer o que eles querem, mas ajudar ao máximo a abrir uma possibilidade para que eles escolham", afirma Gina Trent, também integrante da associação.
O resultado é que, apesar da curta existência da experiência, os alunos da Salomé Ureña de Henriquez já mostram em seus testes níveis semelhante aos registrados em escolas frequentadas por famílias mais ricas de Nova York.

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