São Paulo, sábado, 16 de dezembro de 1995 |
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Novas leituras celebram aniversário de Beethoven
ARTHUR NESTROVSKI
Num certo sentido, toda a música que veio depois dele é isso mesmo; a música depois de Beethoven, a música que ele inventou também, pela mão dos outros. Nosso modernismo, que tem início na virada do século 18 para o 19, é o modernismo beethoveniano. Compor, hoje como há 200 anos, é uma forma de escutar Beethoven. Forma Interpretações recentes das sonatas para piano têm ressaltado as maneiras como a composição, para ele, são enfaticamente uma maneira de pensar sobre a forma. Pianistas como Maurizio Pollini (que está apresentando a integral das 32 sonatas nesta temporada, nos Estado Unidos) e Alfred Brendel (que está gravando as 32 para a Philips) são, cada um à sua maneira, representantes exemplares deste Beethoven diabolicamente consciente de seu "métier". Guiomar Novaes Neste contexto, é uma lição muito especial escutar as gravações de Guiomar Novaes (1895-1979) das sonatas "Ao luar", "Les adieux" e Op. 111. A Vox lançou há algum tempo gravações remasterizadas de Novaes tocando Chopin, Mozart e concertos de Beethoven e Schumann, entre outros. A Vanguard também lançou um CD da pianista brasileira tocando Chopin. São discos maravilhosos, de uma das maiores pianistas do século; mas seu Beethoven, contrastado ao "nosso", é mais raro e levanta questões que ultrapassam as diferenças de individualidade. Guiomar Novaes é a intérprete ideal das sonatas do período médio de Beethoven, como a "Les adieux". Sua "Ao luar" é um modelo de clareza e de expressão, sem sentimentalismo; mas este é um Beethoven relativamente simples, comparado à Op. 81ª. Já a Op. 111, a última do ciclo inteiro, parece diminuída pela tentativa de dar expressão ao que, nas palavras de Adorno, é uma música para além da expressão, uma música que já se despediu de si mesma. Lirismo Com obras como a "Les adieux", o rigor do trabalho temático em Beethoven abre espaço para um lirismo que contradiz o próprio espírito da forma-sonata. O "cantabile" torna-se um princípio estrutural. O sujeito que fala e "se despede" está em todos os lugares, subjacente aos temas. A combinação difícil entre estrutura temática e expressão livre torna-se a marca desta música -que representa a vanguarda para um compositor pouco mais jovem, como Schubert. Guiomar Novaes, uma pianista tão naturalmente direta e livre de maneirismos, mas sem nenhuma ingenuidade, parece sua intérprete predestinada. Para nós, ela soa insolitamente avessa ao modernismo mais auto-reflexivo de Pollini e Brendel. Mesmo relativo insucesso de Guiomar com a Op. 111 é uma lição à sua maneira. Se há alguma coisa que não convence de todo nesta interpretação é a grande forma, as vicissitudes da "idéia", que percorre, inaudível, a superfície da música. Mas a interpretação de Guiomar Novaes é memorável precisamente por deslocar a ênfase para os pequenos momentos, as texturas de passagem. Nestes pontos, o que se escuta é um outro modernismo, uma música do limite, entre a expressão do autor e a superexpressão da forma. Quem nos ensinou a escutar este Beethoven foram Chopin e Schumann, e mais tarde Brahms. As gravações de Guiomar -onde a forma parece o resultado perpetuamente remodelado da melodia- nos fazem voltar a este Beethoven, que permanece mais atrás e quem sabe, também, à nossa frente. Texto Anterior: Heróis de romance viram gente de verdade Próximo Texto: Sonatas exibem semântica do compositor Índice |
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